Diplomatas criticam critérios de promoção no Itamaraty sob o governo Lula
Por Monica Gugliano / O ESTADÃO DE SP
Silenciosamente, como quase todas as discussões internas e as insatisfações que acontecem no Itamaraty, um grupo de diplomatas cada vez maior tem reclamado dos critérios de promoções e de ascensão na carreira. As queixas já não dizem mais respeito apenas ao número reduzido de mulheres que atingem os altos postos. Mas ganharam corpo e se ampliaram atingindo, em especial, os preceitos e normas que determinam a trajetória de cada um.
Há menos de um mês, a insatisfação chegou à mesa da secretária-geral da Casa, Maria Laura da Rocha, em um documento de cinco páginas que arrola as maiores discordâncias. “A carreira de diplomata, em sua atual configuração, apresenta distorções no reconhecimento do mérito individual de seus integrantes que prejudicam o desempenho profissional e, destarte, a execução com máxima eficiência da política externa do país. Tais distorções prejudicam igualmente a saúde mental e financeira de seus integrantes, além do planejamento da vida privada”.
Adiante, no item 9, o documento prossegue: “A carreira diplomática padece de múltiplas deformações: mecanismos opacos de promoção e remoção; engessamento hierárquico, com consequentes distorções de lotação e ‘desemprego funcional’, desincentivos para a lotação em Brasília (em particular nas divisões) e em postos ‘C’ e, sobretudo, ‘D’; favorecimento de número reduzido de servidores, desequilíbrios de gênero e de raça e etarismo, entre outras”.
Na última semana, a Assembleia Geral da Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB), organização que conta com mais de 1,6 mil associados, endossou o documento “Fluxo e Reforma da Carreira de Diplomata” como diretriz a ser seguida em futuras negociações. Aponta a “existência de obstrução quase completa à promoção de secretários e conselheiros aos níveis hierárquicos mais elevados da carreira de diplomata e de risco de perda de carreira para membros mais antigos dessas classes”, como consequência da elevação da aposentadoria compulsória de 70 para 75 anos, do esgotamento de “mecanismos paliativos” como o quadro especial (a “reserva” do Itamaraty”) e da promoção de integrantes “extremamente modernos dessas classes em detrimento de colegas mais antigos e com mérito pelo menos equivalente”, entre outros impedimentos.
Como solução, propõe maior transparência das decisões tomadas pela Comissão de Promoções, além de adoção de uma reforma estrutural da carreira, como a progressão funcional “previsível, transparente e equânime”, e a criação de mecanismos para combater o desequilíbrio de gênero e de raça, entre outras.
Os mais de 300 diplomatas que assinam o documento acreditam que, se muita coisa melhorou entre os dias de hoje e o período do chanceler Ernesto Araújo, durante o qual ocorreram as mais duras perseguições ideológicas da história recente da instituição, por outro lado, distorções de diferente natureza passaram a atingir os degraus mais baixos da carreira. Nesse caso estão as Divisões, onde poucos querem ser lotados por que, segundo diplomatas ouvidos pelo Estadão, dão pouca visibilidade e muito trabalho.
Outros documentos que têm circulado, tocam no mesmo tema argumentando que, apesar de certas expectativas da classe de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pudesse revalorizar o Itamaraty, após a destruição da política externa sob o governo Bolsonaro, os dois ciclos de promoções de 2023 representaram uma ducha de água fria. “Os diplomatas, lotados em número recorde, na presidência da República (divididos entre a Assessoria Especial (...) e aqueles no Cerimonial, foram contemplados num volume inédito de promoções, desprezando-se a lista da Comissão de Promoções”.
Segundo depoimentos dados ao Estadão, sob a atual administração, nunca antes se verificaram tantas “caronas”, jargão pelo qual se indicam as quebras na lista de antiguidade. “A principal forma das ‘caronas’ adveio de onde mais se deveria dar exemplo (Presidência da República e Gabinete do Ministro), mas, no entanto, têm-se mostrado vorazmente suscetível a apetites em favor, impreterivelmente, de pessoas ligadas ao PT ou daquelas que já serviram com o Ministro de Estado”. E acrescentam: “Tem-se preferido contemplar os ‘usual suspects’, ligados à máquina partidária, do que os servidores de Estado, em um movimento que tem causado indignação dentro dos corredores do Itamaraty.
Nem sempre é assim. As mulheres representam 23% do total de diplomatas brasileiros e, nas duas rodadas de promoções da atual gestão, o Itamaraty, apesar das críticas, têm buscado aumentar a representatividade delas, tendo que deixar de lado outros candidatos. Segundo dados do ministério, sobretudo nas vagas para embaixador se percebe esse movimento, da mesma forma na chefia de embaixadas. Hoje, além da secretaria-geral que é comandada por uma mulher, as embaixadas de Washington – o mais importante posto no exterior – e Estocolmo, e missões junto à Agência Internacional de Energia Atômica (Viena), FAO (Roma) e UNESCO (Paris), todos são postos para os quais foram promovidas mulheres.
A coluna pediu ao ministério das Relações Exteriores que comentasse as críticas e os mecanismos de promoção: “Manifestações e sugestões de mudanças fazem parte de um diálogo institucional iniciado pela atual administração em janeiro deste ano e fazem parte de uma reflexão coletiva sobre o a carreira diplomática e a lei que rege o serviço exterior brasileiro”.