Governo articula com Lira e centrão, blinda Planalto e esvazia oposição na CPI do MST
Em meio às negociações por mais espaço no governo Lula (PT), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e integrantes do centrão atuaram nos últimos dias para blindar o Palácio do Planalto na Casa por meio de trocas na CPI do MST.
A cúpula da CPI, ao mesmo tempo, já admite nem sequer pedir a prorrogação do prazo da comissão, avaliando que, neste cenário, a oposição perde força e que o melhor é encerrar o grupo no mês que vem —conforme inicialmente previsto.
Na manhã desta quarta-feira (9), Lira acatou um pedido do PT e cancelou a convocação do ministro Rui Costa (PT-BA) na CPI do MST. Em outra frente, os líderes de PP, Republicanos e União Brasil tiraram da comissão nomes considerados de forte oposição a Lula.
Saíram da comissão Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), Nicoletti (União Brasil-RR), Clarissa Tércio (PP-PE), Diego Garcia (Republicanos-PR) e Messias Donato (Republicanos-ES).
Entraram Carlos Henrique Gaguim (União Brasil-TO), Damião Feliciano (União Brasil-PB), Átila Lira (PP-PI), Mário Negromonte Jr. (PP-BA) e Marreca Filho (Patriota-MA).
A União Brasil, cujas trocas na CPI do MST foram antecipadas pela coluna Painel, da Folha, também substituiu dois integrantes da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Embora seja presidida pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), a comissão, uma das principais da Casa, segue com maioria antigoverno.
O deputado Coronel Ulysses (União Brasil-AC) foi substituído pela deputada Fernanda Pessoa (União Brasil-CE) na posição de suplente na comissão. Já o deputado Fábio Garcia (União Brasil-MT), que se tornou secretário da Casa Civil de Mato Grosso, foi substituído pela sua suplente, Gisela Simona (União Brasil-MT), que atuará como titular.
A articulação pelas mudanças nos colegiados foi capitaneada pelo líder do governo, José Guimarães (PT-CE), e tem o objetivo de deixá-los com maioria governista. Na avaliação de petistas, é preciso que o desenho da Câmara dos Deputados seja adaptado, já que PP e Republicanos negociam o comando de ministérios.
"[As trocas na CPI do MST] Fazem parte da articulação de uma reorganização da base. A ideia é colocar parlamentares com nível de discussão política, porque antes estava baixo e só sobravam ataques", diz a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR).
Na semana passada, a decisão da CPI do MST de convocar o ministro da Casa Civil preocupou integrantes do Planalto pelo desgaste que poderia gerar —a oposição vinha tentando emplacar o nome de Rui desde as primeiras semanas de trabalho. Por isso, articuladores políticos entraram em campo para evitar que ele fosse à Câmara.
Lira alegou ter anulado a convocação de Rui com base em argumentos técnicos, mas aliados dizem que se tratou também de um gesto ao Planalto.
A direção da CPI do MST vai acatar a decisão do presidente da Câmara e, após as mudanças dos nomes do centrão, já admite a derrota.
Ainda no início da primeira sessão após o ato de Lira, também nesta quarta, o presidente da comissão, Coronel Zucco (Republicanos-RS), negou um pedido do deputado Nilto Tatto (PT-SP). O petista pretendia exibir no encontro um vídeo do filho de Vanuza dos Santos de Souza.
Vanuza depôs à CPI na terça (8). Ela foi chamada por deputadas do PL para endossar as críticas ao MST. Tatto pediu para mostrar o material como forma de fazer um contraponto.
No vídeo, o filho conta a história de como sua família entrou na luta para se tornar assentada, traça elogias ao movimento sem terra e diz que vive até hoje em áreas destinadas à reforma agrária. Ele também critica o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sua gestão do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Diz que sua mãe foi enganada e direcionada por aliados do governo bolsonarista, e passou a atuar contra o MST.
"Acabei de falar com o relator [Ricardo Salles], ele já verificou o vídeo e não acha propício e adequado para as investigações. Ele disse que não irá acatar, pois não soma à investigação", afirmou Zucco, quando questionado no início da sessão.
Tatto foi o autor do requerimento que levou Lira a anular a convocação de Rui Costa para falar na CPI.
Na decisão, Lira diz que, conforme artigo da Constituição, somente podem ser convocados ministros para prestarem informações perante comissões "quando há correlação entre o campo temático do ministério e o conteúdo substancial das atribuições do órgão convocador".
"No caso em tela, não se demonstrou no requerimento a conexão entre as atribuições do ministro da Casa Civil da Presidência da República e os fatos investigados pela CPI sobre o MST", argumenta.
O presidente da Câmara afirma ainda não ignorar a competência das CPls para convocarem ministros de Estado.
"Ocorre que, no presente caso, não foi esse o fundamento para a convocação do ministro, mas sim a competência das comissões em geral para fazê-lo, o que torna imprescindível a demonstração explícita da conexão entre o campo temático da comissão e as atribuições do ministro a ser convocado", diz.
"[A decisão] mostra claramente que a CPI, como desde o início não tinha fato determinado, que ela está sendo um espaço para atacar e criminalizar os movimentos polares e da reforma agrária, em especial o MST, como também tentar intimidar o presidente Lula", afirma Tatto.
Já ciente da possibilidade de anulação da convocação de Rui, a direção da CPI chegou a jantar com Lira dias antes, para tentar convencê-lo de que havia, sim, base para que o ministro fosse ouvido.
Agora, o entendimento da cúpula da CPI é que não há mais espaço para novos convites ou convocações que desagradem o governo, pois eles seriam barrados. A estratégia será trabalhar com os requerimentos já aprovados, realizar diligências e construir o relatório —que também fica ameaçado pela nova composição do grupo.
Na avaliação de parlamentares da oposição, a derrota é grande, já que as sessões vinham sendo grande farol de tensão para o governo —o que não vem acontecendo, por exemplo, com a CPI das ONGs no Senado, que também é comandada por parlamentares antigoverno.
A anulação de Lira contou com esforços do líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, e é avaliada como polític por Salles (PL-SP), que é ex-ministro de Bolsonaro.
"Tecnicamente há motivo de sobra [para ouvir Rui], tanto em relação à sua gestão sobre a Abin [Agência Brasileira de Inteligência] desde o abril vermelho, quanto ao acobertamento das invasões na Bahia quando era governador", disse à coluna Painel.
A convocação havia sido aprovada no dia 1º de agosto, no que então foi uma derrota para o governo Lula.
Em nota, o MST afirmou que a "CPI passará e ficará como uma mancha na história da Câmara dos Deputados".