Por trás do improviso, grupo planeja discursos de Lula, mas não evita gafes do presidente
Por Jeniffer Gularte — Brasília / O GLOBO
Embora tenha por hábito falar de improviso em eventos públicos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe um discurso pronto antes de cada solenidade. As canetas por trás dos textos são de uma equipe de quatro profissionais, chefiada pelo escritor José Rezende de Almeida Júnior. A elaboração prévia não impede, contudo, que o titular do Palácio do Planalto cometa gafes eventualmente.
Às vezes ignoradas, as palavras para a leitura do petista começam a ser pensadas com até cinco dias de antecedência. Todas as agendas presidenciais com público, seja no Palácio do Planalto, em viagens pelo país ou ao exterior, são precedidas de uma reunião preparatória da Secretaria de Comunicação Social (Secom), com a participação dos redatores. O objetivo é debater as particularidades dos eventos para definir qual é a mensagem que o governo pretende passar em cada ocasião.
Depois do debate, os escritores ocultos solicitam informações de programas, políticas públicas e ações do governo aos ministérios. Os dados, frequentemente, servem para embasar os discursos.
Mesmo com o intenso processo de preparação, a equipe não consegue evitar que Lula cometa deslizes. Entre auxiliares, as sugestões feitas a Lula são sempre sobre o que ele poderia falar — nunca o que não pode ser dito. Neste sentido, há um consenso de que não há como prevenir situações de saia-justa, muito menos obrigá-lo a seguir à risca o texto preparado.
Último a falar
Em Cabo Verde, na semana passada, Lula afirmou que o Brasil tem “uma profunda gratidão ao continente africano por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso país”. A frase foi criticada. Auxiliares alegaram que o presidente se referia à dívida que o Brasil tem com a África pela escravidão, como o próprio Lula já mencionou em outras ocasiões.
O petista adota o improviso com mais frequência nas ocasiões em que é o último a falar. Isso acontece porque ele não gosta de repetir raciocínios ou dados já citados por outros oradores no mesmo evento. As palavras impressas em papel, com frequência, acabam servindo apenas de apoio para raciocínios espontâneos.
Para agendas nos estados, a equipe de Rezende levanta dados de ações de governo naquele local, faz comparações com políticas de governos anteriores e pesquisa outras visitas do presidente à mesma cidade. Em agendas no exterior, há assistência do Itamaraty e da assessoria internacional para esse trabalho.
O time de Rezende foi reforçado nesta semana, com a chegada de Cristina Charão, jornalista que fazia assessoria de imprensa da primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja. A ampliação da equipe vinha sendo solicitada por Rezende há três meses, devido ao aumento da demanda de eventos.
Feito em equipe, o discurso é finalizado por Rezende e chega pronto para Lula com no mínimo 48 horas de antecedência. Eventualmente, o presidente pede ajustes. Um mesmo discurso pode ter várias versões. Embora Lula não siga o script em todas as oportunidades, ele lê todos os discursos antes de iniciar qualquer solenidade. De acordo com auxiliares, o presidente da República não faz nenhuma agenda sem estudar e ler dados sobre o assunto.
Rezende trabalha com Lula há mais de 20 anos. Nos primeiros governos, já integrava a equipe presidencial que preparava seus discursos. À época, o grupo era capitaneado pelo jornalista Carlos Tibúrcio. Com perfil discreto, Rezende é um escritor mineiro que tem seis livros publicados e conta com a estrita confiança de Lula para acompanhar o seu novo mandato.
Na campanha, era o único responsável por amarrar em textos as inúmeras sugestões que chegavam para compor o discurso do então candidato petista. Atualmente, Rezende acompanha o chefe em quase todas as viagens e ouve todos os discursos ao vivo, quando reúne informações para compor as próximas falas.
A equipe de antecessores
Ao contrário de Lula, Bolsonaro não tinha uma equipe específica para compor seus discursos. Ele próprio rascunhava falas ou as fazia de improviso. Em ocasiões solenes, como o pronunciamento na Organização das Nações Unidas (ONU), ministérios enviavam dados, e o texto era construído com ajuda do assessor internacional Filipe Martins, do então ministro das Comunicações, Fabio Faria, e chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.
Durante o governo de Michel Temer, os temas internacionais eram escritos pelo embaixador Fred Arruda. Já nos temas domésticos, os assessores Elsinho Mouco e Márcio Freitas ajudavam a elaborar a narrativa.
Já ao longo do dois governos Dilma Rousseff os discursos eram feitos por Olímpio Cruz, um dos assessores mais próximos à ex-presidente.