Populismo de mesa de bar
Por Notas & Informações / o estadão de sp
Mal o governo aprovou na Câmara dos Deputados a reforma tributária possível e se prepara para duras negociações com vista à votação no Senado, o presidente Lula da Silva resolve dar, mais uma vez, mostras de devaneio populista. Do jeito que gosta, entre sorrisos, como se estivesse desenhando uma ideia na qual acabara de pensar, anunciou a intenção de criar um programa de incentivo à compra de eletrodomésticos. O comunicado foi feito durante cerimônia do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, no Planalto.
“Falei para o Alckmin: ‘Que tal a gente fazer uma aberturazinha para a linha branca?’ Facilitar a compra de geladeira, de televisão, de máquina de lavar roupa”, disse o presidente, como se fizesse um improviso despretensioso, no qual incluiu erroneamente aparelhos de TV, da linha marrom, no segmento industrial de eletrodomésticos da linha branca. Caprichando nos gestos e sorrisos, comentou que geladeira velha não gela bem a cerveja e vaticinou, como um demiurgo: “Se está caro, vamos baratear”.
Obviamente não foi improviso. Foi caso pensado. E, para deixar claro que se trata de mais do que uma intenção, além de citar o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, Lula incluiu no pacote a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, com o pedido descontraído para que “abram a mão um pouquinho” para “facilitar a vida do povo”. Os ministros, claro, desconversaram sobre a exequibilidade do “projeto”.
Levando em conta a bronca pública dada por Lula em todo o primeiro escalão durante reunião ministerial há quatro meses, quando disse que “qualquer genialidade que alguém possa ter” terá obrigatoriamente de ser discutida com a Casa Civil antes do anúncio, é de questionar se a proposta que defende passou por alguém além de Lula. Se passou, é provável que a Casa Civil não esteja cumprindo seu papel de discutir as medidas com os demais Ministérios. Seria, no mínimo, contraditório apresentar mais uma proposta de subsídio em meio às discussões da reforma tributária.
Mas o presidente ficou animado com o incentivo do governo para a venda de carro zero. “Fizemos uma coisinha pequena e vendemos mais carros do que a capacidade de produzir no período”, disse Lula, eufórico. Não é verdade. O programa apenas reduziu em parte os estoques de carros já produzidos, não resolveu o problema do setor automotivo, privou o Tesouro de algum reforço financeiro e não movimentou um milímetro a economia.
Mas por um par de meses deixou felizes algumas centenas de consumidores e uma parcela mínima da indústria. Parece o suficiente para o presidente considerar uma vitória. Para revestir o programa de algum sentido além do presente aleatório a um grupo restrito, foram incluídos caminhões e ônibus na última hora. Não funcionou. De acordo com dados da Fenabrave, as vendas de caminhões sofreram retração de 28,86%, em junho, na comparação com o mesmo período de 2022.
O governo conseguiu importantes vitórias recentes na economia, mesmo que ainda incompletas. O encaminhamento do arcabouço fiscal, a votação da reforma tributária na Câmara, o início da reversão do processo inflacionário (uma conquista da política monetária do Banco Central que Lula não cansa de atacar). Sinais positivos importantes que devem ser potencializados, e não anulados com pirotecnia populista.
Antes de pensar na demanda, há que pensar na redução do endividamento que, em patamares recorde, atinge cerca de 79% das famílias brasileiras. A ordem natural é o crescimento da renda vir antes da alta do consumo. Com isso, a demanda aumenta naturalmente. Não adianta criar miragens.
O fato de Lula da Silva se recusar a descer do palanque de campanha é ruim para o País e péssimo para o próprio governo. Lula quer ser lembrado como o presidente da picanha, da cerveja, do carro e da geladeira. Mas, no afã de marcar gols e correr para o abraço, Lula está se perdendo na área e mirando na trave errada.