Barganha opaca
Na campanha eleitoral, o esquema das chamadas emendas de relator, base do entendimento entre Jair Bolsonaro (PL) e o centrão, era um alvo fácil para a oposição. Tratava-se, afinal, de uma desmoralização flagrante para quem chegara à Presidência com a promessa bravateira de varrer os vícios da tradicional política brasileira.
Em termos simples, as tais emendas consistiam em um meio para permitir que parlamentares dispostos a apoiar o governo tivessem maior possibilidade de direcionar verbas do Orçamento para seus redutos eleitorais —com escassas transparência e avaliação do mérito dos gastos.
Tardiamente, Bolsonaro se rendeu ao fato de que, sem a barganha de recursos públicos, não conseguiria formar maiorias no Congresso para a aprovação de projetos e, sobretudo, para governar a salvo de um processo de impeachment.
A escalada de despesas sob o comando do centrão não tardou em descambar para escândalos de malversação e investigações como a que hoje mira aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Por fim, o Supremo Tribunal Federal acabou por derrubar as emendas de relator.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tripudiou sobre os desmandos orçamentários do oponente, correu a refazer as pontes com o Congresso depois de eleito. Manteve sob comando dos parlamentares R$ 9,9 bilhões em gastos antes reservados às emendas extintas.
Anunciou-se que a destinação dos recursos seria definida por deputados e senadores, mas com total transparência em relação aos beneficiados. Conforme a Folha noticiou, não é o que vem ocorrendo.
Para além das demonstrações costumeiras de hipocrisia e cinismo político, está em jogo a qualidade já precária da despesa pública brasileira. Nada há de errado em que o Congresso tenha maior poder sobre o Orçamento —desde que responda pelos motivos que justificam suas intervenções e pelos resultados depois obtidos.
É positivo que se investiguem os kits de robótica distribuídos sem critério em Alagoas, mas a polícia e o Ministério Público não darão conta de todo o mau uso em potencial de verbas nos ministérios.
Cabe ao governo e ao Legislativo divulgar com clareza o objetivo e a origem das emendas parlamentares, sejam formais ou informais. É o mínimo necessário para viabilizar o escrutínio da sociedade e desencorajar os desvios.