Lula sanciona sem vetos lei de preço de transferência, e Fazenda espera arrecadação maior
Eduardo Cucolo / FOLHA DE SP
A nova legislação sobre preços de transferência —forma de tributação das operações internacionais realizadas por empresas que integram um mesmo grupo econômico— foi sancionada nesta quarta-feira (14) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sem vetos.
A lei 14.596 é mais um passo do Brasil para adaptar seu sistema tributário às regras da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e também pode garantir uma arrecadação extra ao governo.
Uma medida provisória sobre o tema foi editada no último ano do governo Jair Bolsonaro (PL) e aprovada pelo Congresso em maio deste ano.
Na época da votação, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) atuou junto a parlamentares para garantir a aprovação do texto, que pode assegurar até R$ 23 bilhões em recursos em 2024, segundo estimativas da equipe econômica.
Após a aprovação, o ministro disse que a proposta é essencial para fechar brechas na lei usadas por multinacionais para pagar menos impostos no Brasil. Também afirmou que a Receita Federal estimava perdas em cerca de R$ 70 bilhões ao ano com as regras então vigentes e esperava a recuperação gradual desses valores nos próximos anos.
Como a tributação sobre a renda é menor em outros países, algumas multinacionais declaram a venda de seus produtos para filiais no exterior a um preço próximo do custo de produção e, de lá, concluem a comercialização para o destinatário final pelo preço real. Com isso, a tributação total do grupo é reduzida.
Um dos principais pontos da nova legislação é a adoção do princípio "arm's length": as condições de uma transação entre empresas do mesmo grupo devem ser comparáveis ao que seria praticado entre partes não relacionadas.
A mudança na legislação também evita que empresas com sede nos Estados Unidos sofressem dupla incidência de tributação (aqui e no exterior), pois uma mudança recente na legislação americana só permite o desconto do tributo pago no exterior quando o outro país adota as mesmas regras sobre o tema.
As novas regras devem ser observadas obrigatoriamente a partir de 1º de janeiro de 2024, mas as empresas podem optar por aplicá-las às operações realizadas desde janeiro de 2023.
Sócias da área tributária do escritório Trench Rossi Watanabe, Simone Musa e Clarissa Machado afirmam que a maior parte das multinacionais brasileiras exportadoras de commodities não deve ser afetada pela mudança em termos de tributação. Desde 2014, essas empresas já estavam obrigadas a usar como parâmetros cotações em Bolsas de mercadorias e futuros.
Para exportadores de produtos que não estavam sujeitos a essa regra, o impacto pode ser maior e levar a alguma adequação de estrutura. Multinacionais estrangeiras que atuam no país podem ser beneficiadas por alguma redução de carga tributária.
"O foco é o equilíbrio. Talvez uns paguem mais. Outros, menos. A lei traz um equilíbrio para evitar tanto a bitributação como a não-tributação", afirma Clarissa Machado.
Simone explica a mudança citando o exemplo de um bolo de lucros que precisa ser dividido entre diversos países, mas que possuem regras diferentes para determinar essa distribuição. Com o Brasil adotando as mesmas diretrizes de importantes parceiros comerciais, há um risco menor de que a empresa pague mais ou menos imposto na soma das duas tributações.
A lei ainda precisa ser regulamentada pela Receita Federal, que deve colocar em consulta pública uma proposta de instrução normativa.
A legislação prevê ainda um mecanismo de resolução de conflitos, com discussão entre países para divisão dos valores a serem tributados, o que depende da existência de tratados entre governos.
"Além da instrução normativa, é importante ratificar o acordo com o Reino Unido e celebrar um tratado de não-tributação com os Estados Unidos", afirma Simone Musa.