Busque abaixo o que você precisa!

Nem só punitivismo, nem só garantismo

Por Notas & Informações / O ESTADÃO

 

O governo articula um censo para uniformizar os dados sobre a situação carcerária no Brasil. O chamado Projeto Mandela é urgente. Além da escassez de dados para se traçar perfis socioeconômicos da população carcerária, há discrepâncias até nos números absolutos. As diferenças entre as estatísticas do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional de Justiça, por exemplo, se contam na casa das dezenas de milhares. Mas um diagnóstico preciso é só o primeiro passo.

 

Diz-se que o Brasil “prende muito e prende mal”. A segunda afirmação é consensual. Mas, até por isso, a primeira é relativa.

 

Por um lado, o Brasil prende pouco. Mais de 60% dos homicídios ficam sem esclarecimento. Há centenas de milhares de mandados de prisão não cumpridos. Além disso, contrariando o poder constituinte (que exigiu tratamento diferenciado dos presos conforme seu grau de periculosidade) e usurpando o Legislativo, o Supremo Tribunal Federal eliminou, em 2006, o regime integral fechado para condenados por crimes hediondos e assemelhados. A partir daí se acumularam os casos escandalosos de abrandamento de pena e saídas temporárias de condenados por crimes brutais.

 

Ao mesmo tempo, o Brasil prende muito. O País tem a terceira maior população carcerária do mundo, só atrás de China e EUA. Mas, se nesses países a taxa está estável ou declinante, no Brasil ela cresce aceleradamente. Entre 2000 e 2014, por exemplo, a população carcerária cresceu em média 7% ao ano, ante 1,1% do conjunto da população.

 

Certo é que o Brasil prende mal. Cerca de 40% dos presos são provisórios. Estes encarcerados e outros condenados por crimes não hediondos ou violentos são obrigados a conviver com uma minoria de presos de alta periculosidade e líderes de facções criminosas (cerca de 13%), a quem têm de prestar vassalagem. Resultado: na esmagadora maioria das vezes o sujeito entra ruim e sai pior. A taxa de reincidência chega a 70%, enquanto a média na Europa e nos EUA é 16%.

 

O trabalho das facções de transformar os presídios em usinas de criminosos é facilitado pelas condições sub-humanas do cárcere. A superlotação chegou a beirar 2 presos para 1 vaga e em muitos Estados ela ultrapassa essa proporção. Só 15% dos presos estudam e 18% trabalham.

 

Uma infraestrutura maior e mais eficiente é necessária tanto para oferecer condições dignas quanto para aumentar o isolamento dos presos, que têm fácil acesso a celulares, drogas e armas. Os recursos muitas vezes não são utilizados por falta de qualidade técnica das gestões subnacionais. A superlotação e a exposição ao crime organizado também devem ser enfrentadas se revendo o sistema de penas para criminosos de menor periculosidade, que podem responder com penas alternativas, e também se investindo no isolamento dos presos de alta periculosidade.

 

Um bom sistema carcerário deveria proteger a sociedade isolando os criminosos, dissuadir potenciais delinquentes e ressocializar os condenados. Se as disfunções do sistema não forem sanadas, ele seguirá produzindo o exato oposto dessas metas. Mas, para tanto, será preciso sanar disfunções culturais na compreensão do direito penal.

 

À direita, muitos escandalizados justamente com a criminalidade querem indiscriminadamente menos leniência, em favor de mais punição. À esquerda, muitos escandalizados justamente com as desigualdades sociais querem indiscriminadamente menos punição, em favor de medidas preventivas. Ambos estão em parte certos – mas em parte errados. Como se vê, no Brasil convivem o excesso e a falta de repressão. O problema é que, aferrados aos seus dogmas “punitivistas” e “garantistas”, ambos os lados negligenciam evidências para discriminar os excessos e faltas das políticas carcerárias, com resultados contraproducentes para ambos. Os excessos de repressão colaboram para transformar os presídios em escolas do crime que subsidiam a violência que horroriza a direita. Mas os excessos de impunidade também colaboram para facilitar as operações do crime organizado e dos criminosos comuns que ameaçam principalmente a população mais pobre que a esquerda jura defender.

Compartilhar Conteúdo

444