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O CERCADINHO DIGITAL DE LULA

O ESTADÃO

 

Lula da Silva e Jair Bolsonaro tratam-se um ao outro como inimigo público n.º 1. Como se viu na campanha eleitoral, a mais desprovida de debates de interesse público em toda a redemocratização, a ferocidade da disputa impressiona. Mas, até por isso, ainda mais impressionante é o quanto se assemelham. Não à toa, é na comunicação pública que a similaridade entre os dois demagogos é mais flagrante que em qualquer outra área.

 

Nas disputas eleitorais, Bolsonaro aprendeu com Lula a demonizar adversários como inimigos a serem abatidos. De volta ao poder, Lula retribuiu, emulando táticas de Bolsonaro: de saída, abriu mão de um porta-voz da Presidência, figura indispensável a democracias sérias; agora, seu ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, anunciou que Lula fará “lives” para “se dirigir diretamente à população”, como disse ao site camarada Brasil 247.

 

A iniciativa ecoa, na era das redes sociais, a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2007. Em tese, ela se prestava à louvável missão de, com independência editorial de pressões comerciais e políticas, ser um veículo de informação de interesse público e produção de programas educativos e culturais, nos moldes da BBC britânica ou da PBS americana. Na prática, nunca passou de uma agência de propaganda oficial.

 

Agora, a degradação da comunicação pública promovida pelo lulopetismo e o bolsonarismo chegou a tal ponto que Pimenta nem sequer disfarça seus propósitos sob uma fantasia virtuosa. “Boa parte da imprensa queria derrotar o Bolsonaro, mas não tem compromisso com o nosso projeto de transformação do País. Não podemos ter a ilusão de achar que a mídia comercial será nossa aliada.” A frustração expõe a realidade que o PT gostaria de ver – a de uma imprensa “aliada” ao “nosso projeto” – e que nunca poupou esforços nem dinheiro público para implementar, seja vilipendiando a imprensa como “inimiga do povo”, seja abastecendo blogs companheiros com verbas públicas, seja aparelhando instituições públicas como a EBC, seja empregando canais do governo para propaganda partidária.

 

Como presidente, Lula tem à disposição imensos recursos e prerrogativas para promover a comunicação institucional. Mas essa comunicação não pode ir além do que prevê a Constituição, em cujo artigo 37 está dito que a publicidade dos atos da administração pública deve “ter caráter educativo, informativo ou de orientação social”. Ainda que os incautos de boa-fé pudessem garimpar razões para esperar que os abusos do PT fiquem no passado e que as “lives” abracem esses princípios constitucionais, elas foram fulminadas pela candura de Pimenta.

 

Como Bolsonaro, Lula parece disposto a empregar recursos públicos para disseminar a confusão entre opiniões pessoais e posições institucionais. Mas não há confusão nenhuma, pois está tudo muito claro: para o lulopetismo, assim como para o bolsonarismo, os interesses de Estado não raro se sujeitam aos interesses do governo, e os interesses de governo frequentemente são reduzidos a imperativos eleitorais.

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