Regra fiscal alimenta clima de desconfiança entre membros do governo Lula
Catia Seabra / folha de sp
O debate sobre a nova regra de controle das contas públicas, liderado até o momento pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), acontece em meio a um clima de desconfiança no núcleo do governo.
Segundo aliados, Haddad restringiu a discussão a um grupo pequeno para evitar que a proposta vazasse e chegasse transfigurada às mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O desenho só foi detalhado ao mandatário nesta sexta-feira (17).
Com receio de eventuais críticas de petistas, o titular da área econômica buscou antes de mais nada conquistar o aval do chefe para, assim, evitar pedidos de modificações –mantendo o desenho o mais longe possível dos olhos da ala política.
A ideia era impedir que a proposta fosse alvo de uma dissecação pública antes que fosse oficialmente apresentada ao presidente.
De acordo com relatos feitos à Folha, membros de outras áreas do governo gostariam de ter visto antes a proposta para orientar os trabalhos em torno do assunto. Mas as pastas interessadas não haviam, até os últimos dias, recebido nem as regras gerais da proposta de Haddad.
Até esta sexta, o chamado arcabouço fiscal não tinha sido encaminhado, por exemplo, à Casa Civil —apesar da demanda por informações.
Dentro do próprio Ministério da Fazenda, o debate ficou limitado aos secretários mais próximos ao tema, enquanto os demais não foram informados de detalhes –o que chega a ser interpretado também como uma falta de confiança na visão dos demais integrantes da pasta.
Durante a elaboração, Haddad apresentou as diretrizes ao vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e à ministra Simone Tebet (Planejamento), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Segundo integrantes do governo, o ministro da Fazenda também conversou com economistas de diferentes matizes. Aliados, inclusive, reagiram com estranheza ao fato de ele ter priorizado uma conversa com o presidente do BC –de visão liberal e que tem sido publicamente criticado por Lula.
A estratégia de Haddad gerou desconforto entre seus pares, que enxergam nele uma intenção de se consolidar como um superministro.
A atitude foi recebida por colegas de Esplanada como um sinal de que, na opinião de Haddad, outros integrantes do governo não seriam qualificados o suficiente para um debate sobre a nova regra fiscal.
Em defesa do rito definido por Haddad, seus interlocutores atribuem essa cautela ao impacto que o tema tem sobre o mercado e sua repercussão na economia do país. Contam, por exemplo, que ele chegou a cancelar uma reunião na Casa Civil após o vazamento de uma informação.
Uma outra preocupação de Haddad reside, segundo aliados, na articulação da proposta no Congresso Nacional. Sua intenção seria convencer Lula da necessidade de apresentação de um texto com chance de aprovação. Por isso, esse debate não poderia ser público.
O próprio ministro tem feito reuniões com intuito de azeitar a tramitação no Congresso. Ele chegou a jantar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para sensibilizá-lo da importância do projeto.
Essa articulação é uma atribuição da Secretaria das Relações Institucionais, hoje chefiada pelo ministro Alexandre Padilha, que não participou da reunião dessa sexta.
Além disso, conta a favor de Haddad na discussão a orientação pública de Lula aos ministros nesta semana. O mandatário determinou que as propostas devem estar alinhadas internamente antes de serem divulgadas.
Com essa postura, Haddad tenta evitar que aliados critiquem publicamente o arcabouço, a exemplo do que aconteceu com a ideia de reoneração dos combustíveis. Presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR) disse que esse seria um estelionato eleitoral.
Na opinião de aliados de Haddad, Gleisi não terá a mesma postura ante uma proposta endossada por Lula.
Legalmente, o governo tem até o fim de agosto para enviar a nova regra fiscal ao Congresso. Mas o ministro prometeu apresentá-la ainda neste mês, diante das expectativas geradas no mercado financeiro.
Por interferir de forma direta nas projeções para as contas públicas ao longo dos próximos anos, o tema é acompanhado de perto por economistas e investidores.