Começa a luta pela volta à racionalidade fiscal
No dia seguinte à crise anunciada decorrente da publicação de informações desabonadoras para o ministro do Planejamento Romero Jucá — a gravação de uma conspirata contra a Lava-Jato —, cujo desfecho foi a inevitável exoneração do senador, o governo Michel Temer voltou a se reequilibrar, com o anúncio das primeiras iniciativas da equipe econômica.
Enquanto Jucá fritava em público nas brasas da repercussão do vazamento dos diálogos entre ele e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, dois alvos da Lava-Jato, Temer foi com uma comissão do governo entregar ao presidente do Senado e do Congresso, Renan Calheiros, a proposta de revisão da inexequível meta fiscal que lá deixara a presidente afastada Dilma Rousseff. Um gesto eloquente, de respeito ao Legislativo, cujo apoio ao ajuste é estratégico.
Na linha defendida pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de absoluta verdade estatística, transformar o déficit previsto para este ano de “apenas” R$ 99 bilhões para realistas R$ 170,5 bilhões — tem-se, assim, a dimensão das maquiagens contábeis praticadas na era Dilma — é o primeiro passo para se tomarem medidas concretas contra o descalabro. Para isso, Meirelles, ontem, na companhia de outros colegas de ministério — Eliseu Padilha, Geddeu Vieira Lima e Dyogo Oliveira, interino no Planejamento — anunciou as primeiras ações objetivas para o novo Planalto começar a reverter o quadro de absoluta desordem fiscal.
Há iniciativas tópicas, como a devolução pelo BNDES de R$ 100 bilhões recebidos do Tesouro, de um total de R$ 500 bilhões destinados ao banco num dos momentos de maior surto de irresponsabilidade fiscal de Dilma/Mantega/Arno Augustin. Raspou-se, ainda, o Fundo Soberano, para usar R$ 2 bilhões no abatimento de dívidas, e foi defendida formalmente a mudança nas regras dirigistas e estatistas do pré-sal, para reativar os investimentos no setor de petróleo.
A fortuna que o Tesouro passara ao BNDES serviria para financiar investimentos, mas com um enorme subsídio embutido na operação, devido à diferença de taxas: o Tesouro pediu emprestado esse dinheiro pagando juros Selic (hoje, 14,5%), e o banco o repassou a taxas pela metade. A devolução do dinheiro dará alívio importante ao Tesouro (R$ 7 bilhões ao ano).
Num perspetiva estrutural, foi anunciada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para conter o aumento quase autônomo das despesas primárias ( todos os gastos, exclusive juros), uma das causas básicas da quebra do Estado. Todos esses gastos não aumentarão mais do que a inflação do ano anterior. Será, assim, criado o teto que Dilma rejeitou em 2005, na Casa Civil, ao lhe ser proposto por Paulo Bernardo e Antonio Palloci.
Como explicou Meirelles, de 1997 a 2015 essas despesas saltaram de 14% do PIB para 19%. Um aumento médio anual de 0,3% do PIB. Assim, não há Orçamento que possa ser equilibrado. O teto precisa ser aprovado para que, com força constitucional, o governo possa determinar o fim da indexação automática de benefícios previdenciários e sociais. Se isso vier a ser feito na reforma da Previdência, ótimo. Se não, terá de ser executado de outra maneira.
Mais um alvo desse primeiro conjunto de mudanças do governo Temer, como anunciado anteriormente, são as vinculações orçamentárias, mecanismo que, junto com a indexação, deixa as contas públicas incontroláveis. O dinheiro carimbado para Saúde e Educação também ficará sob o teto do crescimento apenas nominal das despesas.
O caráter de controle de gastos ficou evidente, como era reivindicado. Haverá grande grita das corporações e grupos políticos que se beneficiam dessas distorções. Mas não existe outro jeito de se retomar o crescimento, a fim de beneficiar os próprios programas sociais. O GLOBO