Covid em 2023: com 18,7 milhões de doses bivalentes paradas, Brasil ainda não tem definição sobre nova fase da vacinação
Por Bernardo Yoneshigue / O GLOBO
Embora tenham chegado ao Brasil há mais de um mês, as vacinas bivalentes para a Covid-19, que ampliam a proteção contra a variante Ômicron, ainda não têm definição sobre os públicos para os quais elas serão destinadas e em que momento estarão disponíveis nos postos de saúde. Em outros países, como Estados Unidos e Chile, os imunizantes começaram a ser ofertados ainda em setembro e outubro do ano passado.
O Ministério da Saúde planeja uma ampla campanha de imunização para ter início em fevereiro, porém ainda não foi definido se as formulações adaptadas farão parte, ao menos para grupos prioritários, ou se os esforços serão direcionados somente para aumentar as coberturas vacinais com as doses originais no resto da população, que estão baixas em relação à terceira e à quarta aplicação.
Procurado, o ministério confirmou a campanha de fevereiro, porém disse que, em relação às vacinas bivalentes, “tem discutido a estratégia a ser adotada, considerando os estoques disponíveis e o cenário epidemiológico”. A pasta não respondeu se há previsão para que os imunizantes sejam ofertados, e para quem.
Ao todo, já chegaram ao Brasil 18,7 milhões de doses desde o dia 9 de dezembro. Segundo a Pfizer informou ao GLOBO, serão enviadas ainda mais 19,4 milhões de unidades até o fim de janeiro, totalizando 38 milhões. De acordo com informações do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, o total seria suficiente para cobrir todos os maiores de 60 anos.
— Esses de maior risco indiscutivelmente precisam ser vacinados novamente o quanto antes, e a vacina bivalente é a preferencial. Enfrentamos agora uma nova onda e vimos que esses são os que respondem por grande parte das hospitalizações e óbitos. Até fevereiro, já temos quantidades suficientes para esses grupos prioritários, então precisamos começar o quanto antes — avalia o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri.
Há ainda mais 10 milhões de doses bivalentes a serem entregues até junho, parte da extensão do acordo com a farmacêutica assinada pelo governo federal também em dezembro. O contrato envolve ainda 40 milhões de unidades para bebês e crianças das doses originais.
Promessa do governo anterior e reavaliação da estratégia
Em dezembro do ano passado, um mês após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter concedido o sinal verde às doses bivalentes para a população acima de 12 anos como um novo reforço, o Ministério disse que ainda naquele mês publicaria uma nota técnica com as orientações.
Durante um balanço da gestão, o ex-titular da pasta, Marcelo Queiroga, chegou a dizer que o plano de vacinação para 2023 estava sendo elaborado e seria apresentado até o “dia 31 de dezembro”. O governo estendeu o acordo com a Pfizer, porém não definiu as orientações sobre as doses bivalentes como prometido.
Já no início de janeiro, a nova equipe à frente da pasta anunciou que o imunizante da Covid-19 será incorporado ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), fazendo parte do calendário fixo do país, e que, com isso, grupos prioritários, como idosos e imunossuprimidos, passarão a receber um reforço anual.
— Para a população geral saudável não se sabe ainda se precisará de um novo reforço. No momento, não há evidências para isso em 2023 — diz Kfouri.
Foi sugerido ainda que essa aplicação poderia ser feita junto à campanha da gripe, que começa apenas em abril. Pouco depois, em coletiva de imprensa, a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), Ethel Maciel, admitiu a antecipação da campanha para Covid-19 devido às novas linhagem do coronavírus e à proximidade com o Carnaval, sem especificar para quando.
Em nota, o Ministério diz somente que “as orientações para a aplicação da vacina (bivalente) e o cronograma de distribuição serão formalizados em nota técnica nos próximos dias”. Os especialistas ouvidos pelo GLOBO defendem que, se há doses disponíveis em estoque, não há motivos para postergar a indicação, de preferência como um novo reforço para os grupos prioritários no período de quatro meses após o último.
— Parte pode receber apenas em abril pelo cronograma de entregas mas, se há doses agora, por que não começar logo para os de maior risco? Podemos começar com aqueles acima de 80 anos, em instituições de longa permanência, e depois ir abaixando as idades até chegar a 60 anos. Como já fizemos no passado, e muitos países no mundo também fazem — afirma o infectologista, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda.
Ambos concordam que a indicação deve ser feita não apenas por serem vacinas adaptadas, mas também pelos grupos de maior risco terem recebido a última dose há mais de seis meses, tempo em que parte da proteção diminui entre indivíduos que já respondem de forma mais fraca aos imunizantes. Caso orientado apenas em abril, por exemplo, idosos acima de 80 anos completarão mais de um ano desde a quarta dose.
Proteção frente às novas linhagens
As vacinas bivalentes recebem esse nome por incluírem duas partes do coronavírus em sua formulação – uma da cepa ancestral do Sars-CoV-2, descoberta ainda em 2019, e outra da variante Ômicron, predominante no mundo desde o início de 2022.
Há duas versões dos imunizantes disponíveis, e adquiridas pelo Ministério da Saúde, uma cuja parte da Ômicron é referente à linhagem BA.1, primeira da variante, e outra referente às BA.4 e BA.5, que eram maioria no Brasil desde junho de 2022 até a chegada da BQ e suas ramificações no fim do ano.
O Ministério, assim como especialistas ouvidos pela reportagem, ressaltam que o esquema de três doses das vacinas originais, ou quatro para maiores de 40 anos, segue sendo altamente eficaz para prevenir desfechos graves entre a população saudável, e não deve ser alterado. “Elas (doses originais) continuarão disponíveis para imunização da população”, diz a pasta.
— Existe muita gente esperando a chegada dessas vacinas novas para tomar a dose de reforço, então uma mensagem importante é que as vacinas atuais continuam funcionando e muito bem para prevenir hospitalização e óbito, e quem está atrasado deve atualizar a vacinação agora — reforça Croda.
Kfouri lembra que esse é o caso das crianças, público que não tem o aval da Anvisa para receber a bivalente. Ele explica que os pais devem levar os filhos para completar o esquema com as doses disponíveis, que são suficientes para proteger os mais novos.
— A percepção de risco agora é menor, porque é um momento de mais tranquilidade da doença, mas a vacinação pediátrica não é dispensável, é essencial. A garantia de proteção para todas as idades é ter no mínimo três doses. Então independente de qual vacina, todos têm que tomar três doses e, se indicado, quatro. Essa é a comunicação que o ministério deve fazer — afirma o vice-presidente da SBIm.
No entanto, para grupos de maior risco, consideram que uma nova dose de reforço com a bivalente de fato traz benefícios, especialmente devido às novas subvariantes com maior escape imunológico que têm crescido no Brasil e no mundo: as BQ.1 e BQ.1.1, prevalentes hoje no país, e a XBB.1.5.
A imunologista e doutora em Biociências e Fisiopatologia, Letícia Sarturi, explica que, embora essas linhagens não sejam as contempladas nas doses bivalentes, a expectativa é que, por também serem versões da Ômicron, as vacinas adaptadas proporcionem uma maior eficácia contra elas.
— De todas as subvariantes, essas que estão hoje ganhando mais espaço são as que têm maior evasão imunológica até agora, isso tem sido mostrado por inúmeros estudos. Mas as expectativas são boas a respeito do uso de vacinas adaptadas. Por isso, acredito que estamos muito atrasados em ter as doses bivalentes, elas deveriam ter sido aplicadas ainda no ano passado. Os grupos mais vulneráveis são os que mais sofrem com o crescimento de variantes de preocupação como essas — avalia.
Uma análise preliminar realizada pela Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA), publicada na última semana, estimou o benefício da nova geração dos imunizantes em prevenir hospitalizações pela BQ.1. Em comparação com aqueles vacinados com ao menos duas doses originais que não receberam o novo reforço, a dose bivalente proporcionou uma redução de 50,3% nos casos graves.
— A Covid está evoluindo muito rápido, e as vacinas não conseguem com a mesma velocidade para proteger contra a doença sintomática. Mas a bivalente, assim como a monovalente, continuam a proteger a população contra formas graves. No geral, nós acreditamos que as adaptadas vão levar a mais benefícios — diz Croda.