UM TOQUE DE LUCIDEZ NO GOVERNO LULA
Por Notas & Informações / O ESTADÃO
Em seu discurso de posse, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, demonstrou ter compreensão dos desafios que terá à frente da função. Ao reconhecer publicamente a existência de divergências a respeito da condução da economia entre os membros do governo, a ministra marcou posição, deixando claro de que lado está desde o primeiro dia, o que é um alento depois de uma semana em que até o incontestável déficit da Previdência foi posto em dúvida por um ministro doidivanas.
A trajetória política da senadora é surpreendente. Filha de uma das maiores lideranças do MDB e vinculada ao agronegócio, ela enfrentou a resistência do próprio partido para conseguir se candidatar à Presidência da República. Mesmo presente em todos os municípios do País, o MDB muitas vezes se recusou a lhe dar palanque. Diante de tantos obstáculos e em meio a uma disputa tão polarizada, conquistar a terceira colocação e quase 5 milhões de votos é um feito nada desprezível.
Ao aderir à campanha de Lula da Silva de forma incondicional, Simone Tebet enfrentou correligionários e sua base de apoio. Reconheceu o custo político de sua decisão, admitindo, em um vídeo que circula nas redes sociais, que hoje não seria mais eleita para qualquer função pública em seu Estado. Por outro lado, é inegável que a atitude da senadora conferiu ao petista a oportunidade que ele mais almejava: apresentar-se como líder de uma frente ampla em defesa da democracia. “O que me moveu foi a certeza de que tudo o que nos une é infinitamente maior do que aquilo que nos separa”, disse ela, ao assumir a pasta.
Antes mesmo da eleição, Lula deixou claro que queria Simone Tebet em sua equipe de ministros. Ela nunca escondeu ter preferência pelas áreas de educação e assistência social, e o fato de que o PT não abriu mão dessas áreas expressa a solidez do cacoete hegemônico do partido, que vai de encontro ao discurso da pretensa frente ampla. Ela já havia rejeitado a pasta, antes oferecida pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), com o argumento, relembrado no discurso de posse, de que tem uma visão liberal na economia, razão pela qual não compartilha muitas das ideias defendidas pelos petistas.
A senadora mudou de ideia depois de um bilhete escrito de próprio punho por Lula, no qual ele pediu a ela que aceitasse o Ministério do Planejamento. Não era o cargo que Simone Tebet queria, mas talvez seja aquele de que o País mais precisava. Afinal, é onde a visão da senadora pode fazer a maior diferença. “O nosso papel, do Ministério do Planejamento, sem descuidar, em nenhum momento, da responsabilidade fiscal, dos gastos públicos e da qualidade deles, é colocar os brasileiros no Orçamento público”, afirmou.
Ao seu lado na mesma trincheira, Simone Tebet terá o vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro de Indústria, Desenvolvimento, Comércio e Serviços. As divergências com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra da Gestão, Esther Dweck, não tardarão a aparecer, e logo chegarão a outras pastas. Seu Ministério é responsável pela elaboração do Orçamento, cujos recursos são disputados a tapa por todo o governo. Quando o dinheiro é curto, deter a prerrogativa sobre sua destinação final se torna um ativo ainda mais valioso. É um poder que pode levar carreiras políticas para outro patamar – para cima ou para baixo.
Simone Tebet já não teria vida fácil, mas, já de início, escolheu uma tarefa espinhosa: avaliar e monitorar as políticas públicas. Se bem executado, o plano pode melhorar a alocação e a qualidade dos gastos, mas requer, também, propor o fim de alguns programas, algo que tem o potencial de gerar novos inimigos e de submetê-la ao processo de fritura política tão comum em Brasília. O que se espera é que a ministra tenha habilidade para cumprir essa necessária missão, bem como para moderar as ações do governo de que fará parte, trazendo racionalidade a um debate que muitas vezes é pautado pelo pensamento mágico da gastança sem limites. Que tenha sucesso nessa tarefa inglória.