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Transição com cheiro de naftalina

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

20 de novembro de 2022 | 03h00

A equipe de transição do governo está inchada. Já são quase 300 pessoas escolhidas para os 31 grupos de trabalho, em contraste com as 50 vagas do grupo oficial da equipe de transição, ainda que a maior parte seja composta por voluntários sem remuneração. A princípio, o gabinete teria como missão fazer um diagnóstico das políticas públicas e apontar soluções modernas para o terceiro mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Mas basta uma leitura rápida dos nomes para perceber que é a transição da República dos “ex”. Há uma constelação de ex-ministros, ex-presidentes, ex-diretores, ex-secretários dos governos do PT liderados por Lula e pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Equipe de transição não é governo, mas o que se espera é que ela aproveite os dois meses que separam a vitória eleitoral da posse presidencial para uma definição pragmática sobre as novas políticas que serão adotadas a partir de janeiro. Sede dos trabalhos da transição, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), porém, virou palco para uma evocação das políticas passadas – péssimas lembranças, por sinal, muitas delas comprovadamente ineficazes e de viés intervencionista.

Sem qualquer coordenação entre os grupos, as propostas têm saído a esmo. Cada “ex” parece ávido para apresentar uma ideia que o fortaleça na disputa por uma vaga nos Ministérios. O deputado eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP) acenou com a possibilidade de rever o marco legal do saneamento e suspender os processos de privatização de estatais estaduais já engatilhados, deixando investidores de cabelo em pé. Ex-ministro do Planejamento e das Comunicações, Paulo Bernardo defende mais subsídios.

No Congresso, o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), tentava conter o impacto da desastrosa PEC da Transição com a sinalização de redução de despesas mais à frente, promessa renovada e descumprida toda vez que o Legislativo se prepara para aprovar aumento de gastos. A prova da disfuncionalidade das equipes é a renúncia do mais famoso ex-ministro da equipe de transição, Guido Mantega, alegando que adversários tentam tumultuar e criar dificuldades para o novo governo – uma demonstração de sua incapacidade de reconhecer seu papel central como uma das fontes desse tumulto quando decidiu trabalhar abertamente pelo boicote da candidatura do primeiro brasileiro com chances reais de presidir o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o economista Ilan Goldfajn.

Escanteados das negociações da PEC, André Lara Resende, Persio Arida, Guilherme Mello e Nelson Barbosa estão isolados, sem poder opinar sobre propostas de forte impacto na política econômica feitas por outras áreas. Se a PEC for aprovada sem prazo de validade, até a discussão da nova regra fiscal para substituir o teto de gastos, bandeira de Lula e do PT, pode ficar para depois. Entre os investidores do mercado financeiro, a percepção é a de que o quarteto de economistas foi colocado lá como “ornamento”, apenas para inglês ver. Não está dando certo. Quem comanda as negociações é o núcleo duro da política, que não ouve o time de economistas – mais um péssimo sinal da ideia de Lula de indicar um político para o comando do Ministério da Fazenda.

De todos os problemas gerados por uma equipe tão grande na transição e sem coordenação efetiva, há ainda uma tensão geracional entre os voluntários dos grupos. Os novos gestores e formuladores de políticas públicas poderiam trazer ar fresco para o debate na transição, mas têm sido tolhidos por essa profusão de “ex” que querem voltar ao poder. Muitos deles já foram chefes dos mais jovens no passado e acabam se impondo no debate, impedindo a renovação de ideias.

A experiência dos antigos é essencial, mas o que tem prevalecido são ideias velhas e uma política de retrovisor. O novo, que nada tem a ver com idade, pede passagem. Um freio de arrumação de Lula é mais do que necessário, assim como uma mudança de rota a partir do anúncio dos nomes do seu Ministério. O cheiro da transição, até agora, é de naftalina.

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