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O legado desastroso das obras paradas

O Estado de S.Paulo

01 de maio de 2022 | 03h00

Quase 7 mil obras paralisadas, vinculadas a investimentos de R$ 9,32 bilhões, foram identificadas pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). São 6.932 projetos inacabados de escolas, unidades de saúde, iluminação, saneamento e pavimentação de estradas. Bem aplicado, esse dinheiro produziria prosperidade e melhores condições de vida para milhões de pessoas. Com a paralisação das obras, perdem-se tanto as verbas desembolsadas quanto seus benefícios potenciais. Condenável em qualquer país, esse desperdício é especialmente grave numa economia ainda em desenvolvimento, com recursos públicos muito escassos e com enormes carências e desigualdades sociais.

Milhares de projetos federais também estão interrompidos ou abandonados. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em 38,4 mil projetos cadastrados até 2018 revelou 14,4 mil obras paralisadas. Mas as perdas por interrupção dos trabalhos podem ser muito maiores. Em outubro de 2021, 34 mil obras federais interrompidas foram mencionadas pelo deputado federal Paulo Azi (DEM-BA), indicado, na ocasião, para presidir o Comitê de Avaliação de Obras Paralisadas do Brasil. Vários fatores, observou o deputado, poderiam explicar a interrupção dos projetos. Entre esses, acrescentou, seria preciso incluir o encarecimento, durante a pandemia, de produtos como o cimento e o aço.

Bem antes da covid-19, no entanto, obras paralisadas ou muito atrasadas já eram citadas na imprensa e em discussões públicas. Irregularidades e aumentos de custos foram apontados várias vezes como causas principais, mas seria possível indicar fatores – provavelmente mais importantes – de natureza política e administrativa.

Milhares de obras atrasadas e até paralisadas são sinais sugestivos de má administração, resultante de mera incompetência ou, nos casos mais escandalosos, de licitações e contratações conduzidas de forma irregular. É fácil pensar em projetos mal preparados, mal executados e desacompanhados de supervisão e fiscalização pelos órgãos da área. Corrupção é uma hipótese favorecida pela experiência brasileira. Falhas na definição de prioridades e na programação de recursos financeiros são problemas evidentes quando vários trabalhos são conduzidos ao mesmo tempo e abandonados, ou apenas interrompidos, por falta de dinheiro.

Fala-se muito em complicações legais e em dificuldades burocráticas, mas esses problemas são menos importantes do que podem parecer. Com as mesmas limitações legais, diferentes administrações, nos níveis federal, estadual e municipal, mostraram resultados muito diferentes na elaboração de planos, na preparação de programas e na execução de investimentos.

Governos sérios e competentes levam em conta as limitações financeiras e trabalham selecionando e escalonando objetivos. Entregam 10 escolas, em vez de deixar 20 inacabadas. Entregam uma estrada em condições de uso pelo menos parcial, em vez de deixar – como ocorreu várias vezes – longos trechos desconectados e sem uso possível. Obras nessas condições podem ser lucrativas para algumas empreiteiras e, talvez, para alguns funcionários e algumas autoridades. Para todos os demais, são um grave e escandaloso desperdício de recursos e de oportunidades.

Há outras formas, até rotineiras, de malbaratar dinheiro público. Emendas parlamentares de alcance paroquial podem beneficiar bases políticas de congressistas, mas a conta é debitada a todos os brasileiros. Aplicado de acordo com objetivos estratégicos nacionais, esse dinheiro poderia produzir ganhos muito maiores. Mas essa preocupação está longe de ser dominante na tramitação do projeto orçamentário. Além disso, objetivos estratégicos são definidos por meio de planejamento, uma atividade estranha ao Executivo federal desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. Sem plano e sem uma carteira de obras digna de consideração, o presidente e sua equipe deixarão pelo menos um legado positivo para quem vier em seguida: ninguém terá muito trabalho com obras inacabadas da gestão Bolsonaro.

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