Obcecada pelo ‘golpe’, Dilma não gere o Estado
Desde que iniciou o seu segundo mandato, Dilma Rousseff persegue dois objetivos estratégicos: não cair e manter acesa a ilusão de que preside. Fracassou. Sua queda está programada para daqui a dez dias. E a simbologia do poder escorre na direção do gabinete do vice-presidente Michel Temer. Acéfalo, o governo do PT virou uma espécie de latifúndio improdutivo que o PMDB ocupa.
A caminho do cadafalso montado no plenário do Senado, Dilma anda tão ocupada em compor o enredo do “golpe” que já não lhe sobra tempo para presidir o Estado. Sua agenda está 100% dedicada ao esforço para grudar nos partidários do impeachment a pecha de “golpistas”. Ironicamente, a maioria dos usurpadores é composta de silvérios que Dilma chamava de “aliados” até ontem.
De acordo com os registros disponíveis no site da Presidência, Dilma concedeu nas últimas três semanas 28 audiências individuais. Em 25 delas, ou 89,3% do total, Dilma conversou com ministros e políticos sobre sua estratégia anti-impeachment. Nas outras três (10,7%), recebeu personagens que foram prestar-he solidariedade: o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, o presidente da Contag Alberto Ercílio Broch, e o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ).
Dentro ou fora do Planalto, as solenidades ornamentadas com a presença de Dilma tornaram-se meros pretextos para que uma presidente em fase de derretimento repise a tecla do “golpe''. Há dois dias, num evento sobre o programa Mais Médicos, ela chamou de “ridícula” a acusação de que cometeu crime de responsabilidade.
Convertido em advogado de Dilma em tempo integral, o ministro José Eduardo Cardozo (Advogacia-Geral da União) ecoou o discurso de sua chefe na comissão de impeachment do Senado. Irônico, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) disse que Cardozo não deveria falar em “golpe”. Sob pena de passar por ridículo, já que os golpistas estavam ali, de cara limpa, para testemunhar o exercício do direito de defesa da presidente, num processo regulado pelo STF. Tudo transmitido ao vivo pela tevê.
Dois dias antes, Dilma discursara numa conferência sobre direitos humanos. Dissera que o impeachment, aprovado na Câmara em 17 de abril, está maculado por um “pecado original” chamado Eduardo Cunha. “O senhor presidente da Câmara queria fazer um jogo escuso com o governo. Votem para impedir que eu seja julgado no Conselho de Ética, tirem os votos que o governo tem no Conselho de Ética. Eram três votos. E aí eu não entro com o processo de impeachment.”
Se o governo aceitasse a negociação, disse Dilma, entraria “em processo de apodrecimento. Por isso, nós recusamos essa negociação.'' A oradora esqueceu de mencionar que havia recebido o “pecado original” no Planalto. Negociara com ele um plano de proteção mútua do tipo uma mão suja a outra. Mas o PT, na última hora, recusara-se a entregar seus três no Conselho de Ética. Sem a mercadoria, Cunha colocou para andar o processo de impeachment que transformou Dilma numa presidente cujo poder é invisível a olho nu.
Na última sexta-feira, ao explicar as razões que levaram o governo a antecipar o repasse do orçamento da Polícia Federal para o resto do ano, o ministro Eugênio Aragão (Justiça) cometeu um ato falho que resumiu o estágio em que se encontram os funerais da gestão Dilma:
“…É possível que nós tenhamos uma presidenta suspensa de suas funções [pelo Senado, em 11 de maio]. E nós estamos querendo garantir que, durante esse período excepcional de até 180 dias, a Polícia Federal funcione independentemente da crise política.” Simultaneamente, Michel Temer discutia em São Paulo, numa reunião com o futuro ministro Henrique Meirelles (Fazenda), as primeiras medidas econômicas do governo “golpista”.
Neste domingo, em pleno Dia do Trabalhador, Dilma distribuirá “bondades'' com uma generosidade que combina com sua inusitada condição de ex-presidente ainda no exercício da Presidência. JOSIAS DE SOUZA