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Milton Ribeiro entrega carta de demissão após denúncias de corrupção no MEC

Breno Pires, Julia Affonso e Eduardo Gayer, O Estado de S.Paulo

28 de março de 2022 | 16h32
Atualizado 28 de março de 2022 | 18h09

BRASÍLIA – Investigado por suspeita de envolvimento com pastores que cobravam propina para intermediar recursos para escolas, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, entregou o cargo ao presidente Jair Bolsonaro. Em carta, Ribeiro disse que as reportagens revelando corrupção na sua Pasta “provocaram uma grande transformação em sua vida”. Ele pediu que as suspeitas de que uma pessoa próxima a ele “poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigados com profundidade”.  Ribeiro deixa o cargo dizendo estar “de coração partido”. A exoneração “a pedido” do ministro foi publicada em edição extra do Diário Oficial nesta segunda-feira, 28.

O pedido de demissão ocorre no mesmo dia em que o Estadão revelou que em evento do MEC foram distribuídas Bíblias com fotos do ministro, que para especialistas ato pode ser enquadrado como crime. A derrocada do ministro começou no dia 18 deste mês, após publicação da primeira reportagem do Estadão sobre o gabinete paralelo na pasta de Ribeiro com atuação dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.

Milton Ribeiro em Salinópolis
Ministro Milton Ribeiro, da Educação, participa de evento com entrega de Bíblia com sua foto impressa em Salinópolis, no Pará, em 2/7/2021 Foto: Reprodução Prefeitura Salinópolis

Na carta, diante dos fatos, Ribeiro disse que decidiu pedir exoneração com a finalidade de “de que não paira nenhuma incerteza sobre sua conduta.” Segundo o ministro, ele quer “mais do que ninguém, uma investigação completa e longe de qualquer dúvida acerca de tentativas dele de interferir nas investigações”. O ministro disse que seu afastamento “é única e exclusivamente decorrente de minha responsabilidade política que exigem de mim um senso de País maior do que quaisquer sentimentos pessoais”.  Encerra a carta com o “até breve” prometendo voltar se sua inocência for comprovada. 

A decisão foi tomada após o Estadão publicar uma série de reportagens revelando atuação que o ministro mantinha um gabinete paralelo operado pelos pastores. Em entrevistas ao Estadão, prefeitos contaram que receberam pedidos de propina em ouro em contrapartida para terem demandas atendidas no MEC.  Com a demissão, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) passará por sua quinta gestão diferente do MEC.

Nesta segunda-feira, 28, o Estadão mostrou que, em evento do MEC, foram distribuídas bíblias com fotos do ministro Ribeiro, o que pode configurar crime. A compra das bíblias também era parte de pagamento de propina pedida pelos pastores, conforme relato de prefeitos ao jornal.

Quem deve assumir o MEC no lugar de Ribeiro é o secretário-executivo Victor Godoy Veiga, mas de forma interina. 

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A exoneração 'a pedido' do ministro foi publicada em edição extra do Diário Oficial nesta segunda-feira, 28. Foto: Reprodução

Em um dos casos de privilégio aos evangélicos, a prefeitura de Bom Lugar (MA) conseguiu o empenho de parte do dinheiro solicitado apenas 16 dias depois de um encontro mediado pelos religiosos. A prefeita Marlene Miranda (PCdoB) e seu marido Marcos Miranda participaram no dia 16 de fevereiro de uma reunião no ministério intermediada pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.

O agora ex-ministro era reitor da Universidades Presbiteriana Mackenzie, instituição de ensino privada de São Paulo, e estava no cargo desde junho de 2020, após Abraham Weintraub sair do ministério.

Com a demissão, o governo Bolsonaro passará por sua quinta gestão diferente do MEC. Além de Ribeiro e Weintraub, também comandaram a área federal da educação o professores Ricardo Vélez Rodrguez e Carlos Alberto Decotelli, este último teve a nomeação publicada no Diário Oficial da União, mas ficou somente cinco dias na função, sem nunca ter despachado, por conta de inconsistências no currículo 

Após a revelação do caso do gabinete paralelo, deputados decidiram acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Ribeiro seja investigado por suspeita de improbidade administrativa e crime de responsabilidade, entre outras irregularidades.

Os deputados federais Kim Kataguiri (União-SP) e Túlio Gadêlha (PDT-PE) protocolaram pedidos para que a PGR apure as denúncias contra o ministro. Gadelha também apresentou requerimento para que Ribeiro seja convocado a prestar esclarecimentos ao plenário da Câmara. Antes, o deputado Rogério Correia (PT-MG) havia elaborado outro requerimento para pedir a convocação de Ribeiro para falar na  Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara. Na última sexta-feira, 18, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou a apuração do caso.

A notícia da demissão do ministro repercutiu entre parlamentares que já vinham cobrando apuração de irregularidades no MEC. "Caiu o ministro pelo qual o presidente disse que colocaria a cara no fogo! Milton Ribeiro vai responder a inquérito na PF e no STF. Bolsonaro vai colocar a cara no fogo?" comentou o senador Jean Prates (PT-RN). "Sem dúvida, a saída é um respiro e um sinal de vitória não só da bancada da educação no Congresso, mas da sociedade civil estarrecida com as denúncias dos últimos dias. No MEC, eles têm podido muito, mas não podem tudo!", disse o deputado e presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, Professor Israel Batista (PV-DF).

A seguir a íntegra da versão final da carta do ministro Milton Ribeiro:

Dirijo-me a todos estudantes, profissionais da educação, servidores e demais cidadãos brasileiros.

Desde o dia 21 de março, minha vida sofreu uma grande transformação. A partir de notícias veiculadas pela mídia, foram levantadas suspeitas a cerca da prática de atos irregulares em nome do Ministério da Educação.

Tenho plena convicção de que jamais pratiquei qualquer ato de gestão que não fosse pautado pela legalidade, pela probidade e pelo compromisso com o Erário. As suspeitas de que foram cometidos atos irregulares devem ser investigadas com profundidade.

Eu mesmo, quando tive conhecimento das denúncias, em agosto de 2021, encaminhei, de imediato, expediente à CGU para que apurasse as situações narradas pelas denúncias. Mais recentemente, solicitei também àquela Controladoria que auditasse as liberações de recursos de obras do FNDE, para que não haja dúvida sobre a lisura dos processos conduzidos. Cumpre ressaltar que os procedimentos operacionais relacionados à liberação de recursos pelo FNDE não são de competência direta do Ministro da Educação.

São quatro os pilares que me guiam: Deus, família, honra e meu País. Além disso, tenho todo o respeito e gratidão ao Presidente Bolsonaro, que me deu a oportunidade de ser Ministro da Educação do Brasil num momento transformador para a educação brasileira. Registro que, sob a condução do Presidente da República, tive a oportunidade de conviver com uma equipe de ministros altamente qualificados e comprometidos com a ética e a probidade públicas.

Assim, levando em consideração os aspectos citados, decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a exoneração do cargo de Ministro, a fim de que não paire nenhuma incerteza sobre minha conduta e do Governo Federal. Meu afastamento visa, mais do que tudo, deixar claro que quero uma investigação completa e isenta.

Tomo esta iniciativa com o coração partido. Prezo pela verdade e sei que a verdade requer tempo para ser alcançada. Sei de minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica. Minha decisão decorre exclusivamente de meu senso de responsabilidade política e patriotismo, maior que quaisquer sentimentos pessoais.

Agradeço e despeço-me de todos que me apoiaram nesta empreitada, deixando o compromisso de estar pronto, caso o Presidente entenda necessário, para apoiá-lo em sua vitoriosa caminhada.

Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!

Brasília/DF, 28 de março de 2022 Milton Ribeiro

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Íntegra da carta de Milton Ribeiro. Foto: Reprodução

Depos, na redes sociais, o ministro divulgou uma versão diferente da que circulou entre ministros do governo. Na versão final e assinada, Ribeiro suprimiu a parte final em que prometia voltar ao governo. Agora se despediu do cargo – antes, afirmou que seria um “até breve”. Ele também excluiu o trecho em que afirmava que o governo federal combate a corrupção. 

“Agradeço e despeço-me de todos que me apoiaram nesta empreitada, deixando o compromisso de estar pronto, caso o Presidente entenda necessário, para apoiá-lo em sua vitoriosa caminhada”, diz a nova versão. “Assim sendo, não me despedirei, direi um até breve, pois depois de demonstrada minha inocência estarei de volta”, afirmava a anterior. 

A nova carta se dirige “a todos os estudantes, profissionais da educação, servidores e demais cidadãos brasileiros” e exclui um trecho caro ao público bolsonarista, sobre combate à corrupção. “Decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a minha exoneração do cargo, com a finalidade de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do Governo Federal, que vem transformando este país por meio do compromisso firme da luta contra a corrupção”, afirmava antes o ex-ministro. Agora, a frase termina em “governo federal”.

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