Cortes de imposto já custam R$ 54 bi e governo estuda mais ações
As medidas adotadas ou em preparação neste ano pelo governo e Congresso com o objetivo de reduzir impostos em diferentes frentes vão gerar um custo de pelo menos R$ 54,2 bilhões para União, estados e municípios em 2022. Além disso, os cortes continuarão reduzindo receitas dos cofres públicos durante o próximo mandato presidencial.
O impacto pode ficar ainda maior dependendo dos próximos movimentos do governo. O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem demandado iniciativas em busca de uma agenda popular às vésperas do calendário eleitoral e, entre as prioridades, estão ações que possam representar uma resposta à escalada da inflação.
O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), por exemplo, pode ser cortado ainda mais para alguns produtos. O governo já reduziu o tributo em 25% há pouco mais de duas semanas, ao custo de cerca de R$ 20 bilhões por ano (sendo metade para a União e metade para estados e municípios).
"Há uma possibilidade, segundo o Paulo Guedes disse, de reduzir [o IPI] mais ainda para automóveis, motocicletas e produtos da linha branca. É uma coisa fantástica porque nunca se ouviu falar disso no Brasil", disse Bolsonaro em cerimônia na última terça-feira (15).
O presidente não mencionou que governos petistas já tomaram essa iniciativa e cortaram o IPI justamente sobre automóveis e linha branca na tentativa de movimentar a economia.
Além disso, a classe política pressiona a equipe econômica por medidas voltadas aos combustíveis. Um corte de tributos sobre a gasolina, defendido por parte dos integrantes do governo, pode custar R$ 27 bilhões para os cofres públicos —ou ainda mais, dependendo do formato escolhido.
A equipe econômica vem resistindo de maneira reiterada a novas ideias voltadas aos combustíveis, em geral vistas como caras e ineficientes para segurar os preços. Caso realmente haja necessidade, a preferência do time de Guedes é por aumentos focalizados —por meio do Auxilio Gás ou um Auxílio Caminhoneiro.
Caso prossigam, os novos cortes se somariam à lista de reduções tributárias já feitas neste ano. A mais relevante foi justamente nos tributos federais PIS/Cofins e na limitação do estadual ICMS sobre produtos como diesel e gás de cozinha.
A medida retirou R$ 28,2 bilhões dos cofres públicos em 2022. Desse total, segundo o Ministério da Economia, R$ 14,9 bilhões serão bancados pela União durante o ano (outro montante, de R$ 1,6 bilhão, será sentido apenas em janeiro de 2023). Outros R$ 13,3 bilhões serão retirados de estados e municípios, nas contas da IFI (Instituição Fiscal Independente).
Outra medida recente, anunciada na última terça, foi a eliminação gradual do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre operações de câmbio. Nesse caso, o impacto fiscal começa em R$ 500 milhões em 2023 e vai crescendo gradualmente até alcançar R$ 7,7 bilhões em 2029 (em média, o impacto anual até lá será de R$ 2,7 bilhões).
O ministério também prepara a redução de tributação sobre o frete marítimo, conforme mostrou a Folha, além do corte do Imposto de Renda para investimentos estrangeiros e eliminação da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) de remessas ao exterior. Essas três medidas custariam cerca de R$ 6 bilhões ao ano, segundo as estimativas.
Membros da equipe econômica ouvidos pela Folha afirmam que há espaço fiscal para os cortes, mas começam a dizer que as medidas devem ter um limite.
Apesar de ainda ser projetada folga em relação à meta fiscal, há uma visão entre integrantes de que não se pode arriscar uma deterioração das contas públicas a ponto de piorar o resultado fiscal projetado para o ano, justamente em um momento eleitoral —o que poderia dar uma sinalização ruim ao mercado.
O déficit previsto pelo governo durante a elaboração do Orçamento de 2022 é de R$ 54,8 bilhões para o setor público consolidado (o que engloba União, estados e municípios) —valor que pode ser ajudado por maiores receitas, mas pode ser prejudicado por medidas eleitorais (como reajustes para servidores).
No limite, defendem, o governo não pode arriscar a meta fiscal do ano (que permite um rombo maior, de até R$ 177,5 bilhões para o setor público).
A renúncia de impostos adiciona pressão às contas públicas neste que será o nono ano do país no vermelho. A previsão é que a dívida do Brasil cresça até R$ 6,4 trilhões em 2022 e enfrente custos mais altos de financiamento diante da escalada dos juros e das incertezas com os cenários doméstico e internacional.
Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria e pesquisadora associada do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que os cortes de impostos causam menos preocupação neste ano do que em outros momentos por causa do aumento da arrecadação —mas que, mesmo assim, as medidas geram alertas.
Isso porque, diz ela, a elevação nas receitas públicas tem decorrido, assim como no ano passado, de efeitos conjunturais –como o avanço da inflação e o aumento do preço do petróleo (que infla os ganhos com royalties).
O risco é chegar a um momento em que a receita pública não será mais beneficiada por esses fatores e o país precise rediscutir as medidas adotadas agora —o que será uma tarefa difícil, tendo em vista que as empresas facilmente se "acostumam" com os tributos mais baixos.
"É difícil reonerar. A desoneração da folha, por exemplo, tem sido difícil reverter porque as empresas dizem que, se os impostos subirem, terão que demitir em massa", afirma.
A desoneração da folha foi prorrogada por meio de um projeto aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro. Criada em 2011, ela deveria acabar em 2021 —mas foi estendida até 2023 diante da pressão dos empresários.
Damasceno reconhece que medidas como cortes de impostos são uma tentativa de melhorar a vida da população em um cenário conturbado, mas diz que não necessariamente haverá efeito porque as empresas precisariam sentir que a redução será sustentável para repassá-la adiante. "Existe a possibilidade de não vermos isso chegar tanto ao consumidor final", afirma.
Outro efeito comentado por Guedes, o de reindustrializar o país com o corte no IPI, também é visto com ceticismo. "Ninguém investe com uma alta de juros como a nossa. É muito descolado da realidade um discurso como esse", diz.