Finanças dos municípios – alívio pode virar pesadelo
25 de dezembro de 2021 | 03h00
Desde o ano passado, dois fatores básicos asseguraram às finanças dos municípios brasileiros uma situação fiscal melhor do que a esperada. O primeiro foi o socorro financeiro da União para aliviar o impacto da pandemia, que se revelou superior ao necessário. O segundo foi o ritmo de recuperação desses entes, resultante tanto do recuo do isolamento social quanto dos efeitos do Auxílio Emergencial, o que permitiu satisfatório ganho de arrecadação. De acordo com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a receita corrente do conjunto dos municípios cresceu 5,3% acima da inflação em 2020. Sem as transferências federais, teria havido queda real de 0,9%.
A partir de 2021, a escalada inflacionária transformou-se em motor adicional de crescimento da receita, contribuindo para que a receita corrente líquida dos municípios experimentasse alta real de 6,1% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Se for comparado aos mesmos meses de 2019, período anterior à pandemia, o crescimento é ainda maior: alta real de 8,6%.
Pelo lado da despesa, a contrapartida exigida pela Lei Complementar n.º 173/2020 (que vedou contratações e reajustes salariais em todas as esferas e Poderes até 31 de dezembro de 2021) limitou o crescimento dos gastos com o funcionalismo.
Isso explica a retração real de 2,6% da despesa com pessoal dos municípios no primeiro semestre de 2021, quando comparada ao primeiro semestre de 2020. Houve quase estabilidade na comparação com o primeiro semestre de 2019 – pequeno aumento real de 0,7%.
Dificilmente esse desempenho excepcional das receitas se repetirá em 2022. Além disso, as demandas sociais e sanitárias, se atendidas, devem piorar a dinâmica dos respectivos gastos e consumir os superávits financeiros acumulados recentemente.
É provável, ademais, que o cenário se deteriore, considerando as competências municipais no suprimento de serviços públicos.
Na área da saúde, por exemplo, será preciso enfrentar as sequelas deixadas em pacientes que contraíram a covid-19, assim como os atendimentos derivados do represamento de procedimentos eletivos. Tudo isso exigirá recursos extraordinários dos orçamentos municipais.
Mais adiante, as despesas municipais tendem a ser pressionadas por necessidades relacionadas à assistência social, dada a enorme população desempregada e em situação de vulnerabilidade. De acordo com a FNP, a alocação de recursos municipais nessa área já cresceu 3,8% reais no primeiro semestre de 2021, comparada ao mesmo período de 2020. Em relação a 2019, essa alta foi de 9,7% em termos reais.
A educação municipal, por sua vez, atravessa um período ainda mais atípico. A redução drástica de despesas nessa área – motivada pela mudança de rotina nas redes de ensino, por menores despesas de custeio das escolas e pelos contratos temporários de professores no sistema remoto – impôs a alguns municípios dificuldades para cumprir a vinculação de 25% das receitas de impostos a gastos com educação. Daí a retração recorde nos desembolsos desta área em 2020, ou seja, uma queda real de 5,3% em relação a 2019, a maior já registrada na série histórica iniciada em 2002. No primeiro semestre 2021, o cenário não foi muito diferente. Os respectivos gastos continuaram em declínio, registrando redução real de 8,9%, ante o mesmo período do ano anterior.
Segundo a Frente Nacional de Prefeitos, pelo menos R$ 15 bilhões deixaram de ser investidos na educação básica desde o início da pandemia. No ano passado, 35% das prefeituras não aplicaram o mínimo constitucional. Em 2021, a poucos dias de encerrar o exercício, cerca de 81% dos municípios estão fora da regra – situação agravada por receita acima do previsto e por ausência de planejamento para o uso desses recursos extraordinários.
No curto prazo, esses fatores acarretaram um alívio fiscal para os municípios. Aparentemente, trata-se de boa notícia, mas é preciso olhar a situação com redobrada cautela.
De fato, a experiência brasileira indica que prefeitos tendem a aproveitar momentos de melhora conjuntural das finanças municipais para aumentar despesas permanentes, particularmente as de pessoal. Após praticamente dois anos sem aumento da folha de salários e com a inflação a dois dígitos, a pressão por reajustes não tardará a surgir. O correto seria que, quando necessário, os municípios realizassem um ajuste estrutural, mas dificilmente isso acontecerá na dimensão requerida.
Não será pequeno, portanto, o risco de contratação de uma nova crise, se a tudo isso se acrescentar o cenário desafiador de 2022, caracterizado por inflação ainda elevada, juros altos, ruídos políticos e expectativas de baixo crescimento ou mesmo de uma recessão, o que afetaria negativamente as receitas municipais. Não será fácil, além disso, o desafio dos municípios, qual seja o de evitar a pressão fiscal adicional nos próximos anos, capaz de tornar o atual alívio fiscal em pesadelo.
*ECONOMISTAS DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA