Mais uma forma de ‘pedalada’
Alegando que a arrecadação vem caindo e as transferências dos fundos de participação despencaram por causa da crise econômica, tornando crítica a situação financeira de suas máquinas administrativas, alguns Estados e municípios estão se apropriando de recursos que não são seus para reforçar o caixa. Mensalmente, eles descontam as parcelas de crédito consignado dos servidores públicos, mas não repassam o dinheiro aos bancos.
Por seu lado, em vez de questionar nos tribunais o expediente praticado pelas autoridades fazendárias, as instituições financeiras suspenderam linhas de crédito do funcionalismo. E também passaram a enviar cartas de cobrança aos servidores que tomaram crédito consignado e ameaçando inscrevê-los no cadastro negativo dos serviços de proteção ao crédito.
Em suas instruções normativas, o Banco Central é taxativo ao proibir as instituições financeiras de incluir esses correntistas nesses cadastros. Mesmo assim, os bancos insistem em constranger funcionários públicos que já tiveram parcelas de seus empréstimos descontadas em folha. Procurados pela imprensa, os principais bancos que atuam no segmento de crédito consignado alegam sigilo e se recusam a fazer qualquer comentário. Informalmente, dirigentes da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e da Associação Brasileira de Bancos (ABBC) argumentam que, se uma instituição financeira acionar isoladamente um Estado ou um município, ela poderá sofrer perseguição política.
Com isso, servidores que assinaram contrato de empréstimo consignado acabam sendo duplamente prejudicados. São vítimas de uma conduta imoral por parte das instituições financeiras, que pressionam a parte mais fraca e que não tem qualquer responsabilidade sobre o problema. Também são vítimas de um delito, uma vez que o expediente das autoridades fazendárias de alguns Estados e municípios é tipificado como crime de apropriação indébita pelo Código Penal.
Para tentar afastar o risco de serem processadas, as autoridades fazendárias desses Estados e municípios apresentam justificativas descabidas. No Estado do Piauí, por exemplo, as Secretarias de Administração e da Fazenda atribuem a “problemas operacionais” os atrasos no repasse das parcelas do crédito consignado às instituições financeiras. “Não é possível repassar os descontos dos empréstimos no fim do mês porque os salários do funcionalismo são pagos até o dia 7 do mês seguinte. Portanto, a parcela do desconto é repassada aos bancos até o dia 30 do mês seguinte”, diz o superintendente do Tesouro Estadual, Emílio Júnior.
No Estado do Rio de Janeiro, onde 140 mil dos 232 mil servidores públicos ativos têm empréstimos consignados, as autoridades fazendárias afirmaram que, apesar de terem promovido “algumas postergações” a partir de dezembro de 2014, nos últimos meses já teriam regularizado o repasse do crédito dos bancos. Algumas prefeituras fluminenses informaram que, com o caixa apertado, não tiveram outra saída para pagar despesas de custeio a não ser “pedalar” com o salário de seus servidores. E uma delas, a prefeitura de São João do Meriti, já assinou uma confissão de dívida e fez um acordo com a Caixa Econômica Federal.
Como muitos prefeitos são candidatos à reeleição, em 2016, e a governador, em 2018, eles estão optando por renegociar as condições de pagamento com os bancos para afastar o risco de terem o registro de suas candidaturas impugnado na Justiça Eleitoral. Também querem evitar o que ocorreu no Amapá, onde a juíza titular de uma vara da Fazenda Pública determinou o bloqueio cautelar de bens de dirigentes estaduais no valor da dívida até dezembro de 2014, de R$ 54,8 milhões. O governo estadual limitou-se a informar que a dívida ainda não foi paga, mas que será quitada até o fim do ano.
Os expedientes imorais e ilegais praticados por prefeituras e Estados para reforçar seus caixas, pedalando com os salários dos servidores, configuram o tipo de caso que o Ministério Público tem de tratar de forma rigorosa. O ESTADO DE SÃO PAULO