Bolsonaro escolhe Nordeste para atacar CPI, vender Auxílio Brasil e enfrentar Lula
Região é considerada celeiro de votos do PT, que ignora teto de gastos e pede mais para Bolsa Família turbinado
21 de outubro de 2021 | 14h56
Em campanha pelo segundo mandato, o presidente Jair Bolsonaro vestiu o figurino de garoto propaganda do novo “Auxílio Brasil”, de R$ 400, e escolheu o Nordeste para divulgar o programa justamente no dia da leitura do relatório final da CPI da Covid. Sob críticas de aliados do Palácio do Planalto, o parecer pediu o indiciamento do presidente por crime contra a humanidade em um rol de nove acusações. A incursão de Bolsonaro pelo Nordeste, porém, não terminou. A estratégia foi planejada para inaugurar obras em dez Estados, mesmo não concluídas, na maratona batizada pelo governo de “Jornada das Águas”.
Nessa cruzada ao celeiro de votos do PT, Bolsonaro tenta virar o jogo com o anúncio de dinheiro para distribuir, mesmo sem fonte de recursos para custear o novo programa que vai substituir o Bolsa Família. A manobra política do bolsonarismo para driblar a crise, no entanto, já foi dissecada pela oposição, tanto que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dobrou a aposta.
O Nordeste lidera o ranking de beneficiados pelo Bolsa Família, programa que substituiu o então Fome Zero em 2003, no primeiro ano do governo Lula, e à época teve o nome escolhido pelo publicitário Duda Mendonça, morto em agosto. Dados do Ministério da Cidadania indicam que a região abriga 7,19 milhões de famílias assistidas pelo programa, praticamente a metade do total dos que recebem os repasses do governo.
Como o auxílio emergencial de R$ 300 termina no próximo dia 31 e Bolsonaro tenta a todo custo arrumar um programa social para chamar de seu, em busca da reeleição, tudo foi feito para juntar essas pontas e não deixar a campanha presidencial sem discurso. Acuado pela CPI da Covid, com a popularidade em queda livre e na tentativa de desesperada de criar um fato positivo para enfrentar a tempestade perfeita, Bolsonaro comprou briga com a equipe econômica – contrária ao valor de R$ 400 – e disse que quem manda é ele.
Nessa ofensiva, o presidente assumiu os riscos de furar o teto de gastos e de promover estripulias fiscais para por de pé o Auxílio Brasil. Para tanto, apesar das divergências com o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve apoio do Centrão e do principal partido do bloco, o Progressistas (PP) – legenda que o abrigou durante 11 anos e para a qual ele deve retornar em breve. Detalhe: o complemento do auxílio, para chegar aos R$ 400, termina em dezembro de 2022, “coincidentemente” depois da eleição.
Com o diagnóstico de que o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), trabalha “para Lula”, Bolsonaro disse nesta quinta-feira, 21, na Paraíba, que o termo “vagabundo” é “elogio” para o senador. “Não há maracutaia no Brasil que não tenha o nome de Renan”, afirmou.
Ficou evidente ali o intuito de fazer um aceno na direção do também ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP), que era aliado do Planalto e hoje, no comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), tem segurado a sabatina de André Mendonça, indicado para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao mesmo tempo em que fustigava o relator da CPI da Covid, Bolsonaro era só elogios a Alcolumbre. Até agora, Renan tem respondido aos ataques com ironia: “Não sou especialista em anatomia, mas é preciso examinar se depois da facada não costuraram o intestino (dele) direto na garganta”.
Enquanto o inquilino do Planalto se diz “perseguido” pelo sistema e tenta reembalar um pacote de bondades para tirar votos do PT, principalmente no Nordeste, Lula vai dando a senha dos próximos capítulos da disputa. A ordem no PT é não criticar os R$ 400 do Auxílio Brasil, mas, sim, sustentar que é preciso muito mais.
“Nós reivindicamos um aumento do Bolsa Família de R$ 600, um auxílio emergencial de R$ 600. Vamos esquecer as eleições de 2022. O povo precisa comer, o povo precisa trabalhar, precisa ser respeitado”, discursou Lula, na noite desta quarta-feira, 20, ao abrir a 16.ª plenária nacional da CUT. “Ele pode dar R$ 600, R$ 700, R$ 800 porque não é ele que está dando. É o dinheiro do povo que está sendo devolvido (...) e depois esse dinheiro volta como imposto outra vez para a economia do Estado.”
Ao lado de outros adversários do governo, o PT já se posiciona na praça para fazer barulho no Congresso, sob o argumento de que o novo auxílio deve ser, no mínimo, de R$ 600. A crítica, agora, será pela redução do número de pessoas atendidas.
Os petistas vão bater na tecla de que o Auxílio Brasil não passa de um “paliativo” sem planejamento para continuar depois das eleições, mas não pretendem entrar na história de rompimento do teto de gastos, um assunto de difícil compreensão para o eleitor mais humilde. Ao contrário: tudo será feito para enquadrar Bolsonaro no momento de sua maior fragilidade política. A ideia é carimbar as atitudes do presidente como “estelionato eleitoral” de quem quer vender terreno na lua. Ou seria na terra plana?