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Dosando o otimismo - Vilma Pinto

Nos últimos meses, os resultados fiscais do setor público consolidado mostram sinais positivos. Porém, mesmo diante de uma aparente melhora na situação das contas públicas, o risco fiscal tem se elevado. Na coluna de hoje, vou tentar explorar um pouco dessa diferença entre a análise da situação atual e das expectativas para as contas públicas.

Nesta semana, foram divulgadas as estatísticas fiscais do Banco Central para o mês de agosto. As informações relativas ao setor público consolidado, que compreende o governo federal, Banco Central, entes subnacionais e empresas estatais, mostram alguns resultados que, à primeira vista, podem indicar um cenário de forte recuperação fiscal. Mas nem tudo que reluz é ouro.

O resultado primário do setor público consolidado, por exemplo, apresentou superavit de R$ 16,7 bilhões somente no mês de agosto. Nesse mês, contudo, houve recebimento atípico de quase R$ 15 bilhões relativos à concessão da Cedae/RJ. Além disso, tanto a dívida líquida do setor público consolidado (DLSP) quanto a dívida bruta do governo geral (DBGG) apresentaram recuo de 0,4 ponto percentual (p.p.) do PIB em relação ao mês de julho. Mas, nesse caso, o peso da ajuda da inflação alta é inescapável.

De janeiro a agosto, também é possível observar alguns números positivos. O superávit primário foi de R$ 1,2 bilhão e as dívidas líquida e bruta recuaram, respectivamente, 3,4 p.p. e 6,2 p.p. de dezembro para cá.

No sentido oposto, observa-se uma maior pressão dos juros nominais, dado o aumento da inflação e da taxa básica de juros da economia. No mês de agosto, os juros nominais foram de R$ 46,7 bilhões, correspondentes a um aumento nominal de 35,5% em relação ao mesmo mês do ano anterior. No acumulado do ano, a conta chega a R$ 237 bilhões (4,2% do PIB).

Além de uma maior pressão dos juros nominais do governo, o Banco Central, no Relatório Trimestral de Inflação (RTI) referente ao terceiro trimestre, alertou que o Comitê de Política Monetária (Copom) reconhece que “o risco fiscal segue elevado, apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública”.

A grande questão está no elevado nível de incerteza sobre os rumos da política fiscal. Essa incerteza se materializa em medidas e propostas que visam fragilizar as atuais regras fiscais, ampliar o déficit fiscal e comprometer a trajetória de recuperação e sustentabilidade das contas públicas.

No que diz respeito às regras fiscais, as recentes propostas visam modificar tais regras, sobretudo a do teto de gastos, impondo risco adicional à credibilidade da política fiscal. É importante destacar que as regras ficais buscam preservar a responsabilidade na gestão fiscal e garantir a sustentabilidade da dívida pública no longo prazo.

Contudo, estudo da Secretaria do Tesouro Nacional intitulado “Regras Fiscais: uma proposta de arcabouço sistêmico para o caso brasileiro” destaca que “as regras fiscais, por si só, não são capazes de garantir a responsabilidade fiscal se não houver compromisso político, maturidade institucional e promoção de reformas estruturantes necessárias para equilibrar as contas públicas.” Os Comentários da Instituição Fiscal Independente (IFI) nº 9 fazem análise similar.

Além disso, as incertezas sobre o cenário prospectivo são grandes. Parte do resultado positivo dos últimos meses nas receitas do governo geral decorrem de fatores temporários, como o impacto do aumento do preço das commodities, ou de eventos atípicos/não recorrentes, como a receita de concessão da Cedae/RJ e os recolhimentos extraordinários no IRPJ e na CSLL.

Assim, essa trajetória de crescimento nas receitas não deve se manter por muito tempo. Ainda pelo lado da receita, segundo cálculos da IFI, a proposta de reforma da tributação sobre a renda (PL 2337/2021) deve gerar perda agregada de receita de R$ 34,1 bilhões para o próximo ano.

Pelo lado das despesas, com exceção dos gastos relativos à pandemia, espera-se que haja um aumento no próximo ano, seja em função de represamento de gasto derivado da LC 173/2021, que proibiu o aumento de despesas com pessoal até o fim desse ano, seja em função das já citadas propostas que visam expurgar e/ou parcelar gastos que hoje estão sujeitos à regra fiscal do teto, com objetivo de ampliar a margem para acomodar mais gastos.

Ademais, a queda da dívida/PIB não será persistente. A partir do próximo ano, ela deve voltar a crescer. Isso porque os juros nominais já estão subindo com o prêmio pelo risco mais elevado, a Selic em alta e o quadro inflacionário pressionado. O fator que auxiliou a dívida, até aqui – inflação alta – será o seu algoz em 2022, portanto.

Assim, em que pese os indicadores de curto prazo estarem apresentando resultado positivo, a situação das contas públicas é incerta e frágil. É preciso dosar o otimismo ao analisar os dados recém-divulgados.

vilma pinto economista e diretora da IFI

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