Entre o frio, a seca e a incerteza
14 de agosto de 2021 | 03h00
Seca e geadas prejudicam a produção de alimentos, afetam o setor mais eficiente da economia brasileira e podem complicar a vida do consumidor, atrapalhando a recuperação dos negócios. Com a quebra causada pela estiagem e pelo frio, a safra de grãos pode ficar em 254 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Depois de recordes sucessivos nos dois últimos anos, haverá um recuo de 1,2%, se a estimativa se confirmar. Com a colheita encerrada antes das primeiras ondas de frio, as lavouras de soja produziram 135,9 milhões de toneladas, com aumento de 11,1 milhões em relação à temporada anterior. O complexo soja, formado por grãos e derivados, proporcionou receita de US$ 29,3 bilhões no primeiro semestre e deve permanecer no topo das exportações do agronegócio.
O produto mais afetado pelas más condições do tempo foi o milho, produzido em três safras ao longo do ano. A segunda foi fortemente afetada pelo tempo adverso e a terceira está em fase inicial de colheita. A produção total, estimada em 86,7 milhões de toneladas, deve ser 15,5% inferior à do ano passado. A perda deve refletir-se nas exportações e também no mercado interno. O milho é amplamente usado como ração e a colheita menor deve afetar a produção de carnes, principalmente de suínos e de aves – má notícia para os consumidores.
Quebras de produção devem afetar também outras categorias de produtos, como café, legumes, verduras e algumas frutas. No caso das hortaliças, os problemas de oferta ocasionados por granizo, geada, temporais ou estiagem são menos graves, porque o replantio pode normalizar a situação em pouco tempo, muitas vezes em menos de 90 dias. Em nenhum caso o pânico ajuda a atenuar os problemas do consumidor.
Para a maior parte das famílias brasileiras, é preciso reconhecer, qualquer nova pressão inflacionária, mesmo passageira, pode ser muito penosa. As condições econômicas de milhões de pessoas já haviam piorado antes da pandemia e depois disso ainda se agravaram sensivelmente. Seu orçamento é pouco flexível, porque alguns gastos incontornáveis – como comida, água, eletricidade e gás – consomem a maior parte da renda mensal. Quando se trata do custo da alimentação, mesmo pequenos aumentos podem resultar em sacrifícios.
A alimentação no domicílio encareceu 0,33% em junho e 0,78% em julho, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a principal medida oficial da inflação. Os novos aumentos têm ocorrido sobre uma base muito alta, detalhe às vezes negligenciado por analistas. Nos 12 meses terminados em julho os preços de alimentação e bebidas subiram 13,25%. O encarecimento de alguns itens muito importantes, no entanto, foi bem superior a essa média. Os preços de aves e ovos subiram 19,37%. Os de óleos e gorduras aumentaram 55,95%. As carnes ficaram 34,28% mais caras. Remarcações de cereais, leguminosas e oleaginosas, grupo onde se incluem arroz e feijão, chegaram a 28,77%.
Sobre essa dupla há novidades positivas e negativas na última estimativa de safra. A produção de arroz, calculada em 11,74 milhões de toneladas, deve ser 5% maior que a do ano anterior. A de feijão, no entanto, deve ser diminuída para 2,94 milhões de toneladas, com redução de 8,8% em relação ao volume da safra 2019-2020. Nos dois casos, no entanto, as projeções da Conab apontam oferta suficiente para cobrir a demanda e permitir a manutenção de algum estoque final.
A evolução dos preços da comida, no entanto, dependerá em parte das condições do mercado internacional e também da evolução do câmbio. Se depender da balança comercial, o cenário cambial será tranquilo. Mas o preço do dólar depende também do humor dos investidores financeiros e das expectativas no mercado de capitais. Esses fatores são muito influenciáveis por Brasília, especialmente pelas perspectivas das contas públicas e pelo comportamento do presidente da República, fontes de insegurança, de instabilidade cambial e de pressões inflacionárias.