Esperteza de um governo acuado
26 de junho de 2021 | 23h50
Ninguém que conheça os reais problemas do País rejeita a ideia de que é urgente a reforma do sistema de impostos, para torná-lo mais justo e mais funcional, de modo a estimular o crescimento e a produtividade da economia nacional, bem como para propiciar a criação de empregos. Um projeto com a amplitude desejada, embora com pontos que podem ser aperfeiçoados, já tramita no Congresso. Mas o governo federal, perdido depois de dois anos e meio de mandato do presidente Jair Bolsonaro e, por isso, sem capacidade para formular propostas mais elaboradas, optou por fazer a reforma tributária a seu modo, fatiada.
A primeira parte foi apresentada há tempos, propondo a unificação do PIS/Pasep e da Cofins com a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), e tramita no Congresso. Para mostrar que está atento às demandas do setor produtivo e dos contribuintes em geral, o governo apresentou a segunda parte, que trata do Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas, na sexta-feira passada. Por que exatamente neste momento?
Não se discute a necessidade de ampliação do tímido alcance da primeira proposta, como se procura fazer com o novo projeto. Mas sua apresentação no momento em que surgem aspectos no mínimo estranhos em negociações de vacina contra a covid-19 – que se somam aos fatos que comprovam irresponsabilidade e desídia deliberada de autoridades federais na condução dos programas de combate à pandemia – sugere um ato destinado a desviar a atenção do trabalho da CPI da Pandemia.
O fato de, nas peças de divulgação do novo projeto, o Ministério da Economia ter destacado, entre outras medidas propostas, a correção da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, atualizando de R$ 1.903,38 para R$ 2.500 de renda mensal o limite de isenção do tributo, reforça essa interpretação. O governo quer se mostrar magnânimo com o contribuinte, no momento em que sua popularidade e sua credibilidade são corroídas pelos erros e espertezas que vão ficando cada vez mais evidentes para o público.
Evidências de que também nesse caso o governo age por esperteza são muitas. Em primeiro lugar, o limite da faixa da isenção não precisaria estar num projeto que se pretende de reforma do sistema tributário. Poderia ter sido autorizado por ato menos complexo, sem envolver discussões tão difíceis como a de uma mudança ampla dos tributos.
Em segundo lugar, a proposta de aumento da faixa de isenção ocorre menos de um mês depois que todos os contribuintes entregaram à Receita Federal suas declarações de ajuste anual, utilizando os limites de isenção que estavam em vigor desde 2015, sem nenhuma correção nesses seis anos de vigência. Todos se sujeitaram a regras que implicam tributação maior do que a que agora o governo propõe.
A medida, observou o ministro da Economia, Paulo Guedes, vai beneficiar 30 milhões de contribuintes. O material de divulgação do governo fala em mais 5,6 milhões de pessoas que, com o aumento da faixa de isenção, ficarão isentas do Imposto de Renda.
Por que não se adotou essa medida para as declarações entregues neste ano? Pelo simples fato de que, sem a correção da tabela, o governo, às voltas com sérios problemas financeiros, arrecadou mais – isto é, os contribuintes tiveram de separar um pouco mais de sua renda para honrar seus compromissos com o Fisco.
É um ganho adicional para o Tesouro – e uma perda adicional para o contribuinte –, ressalte-se, num ano fiscal em que a receita tributária vem sendo beneficiada por um fenômeno que onera os cidadãos, a inflação. Esta faz a receita crescer automaticamente, sem que as despesas cresçam necessariamente na mesma velocidade. O resultado financeiro melhora sem nenhum esforço.
Há, decerto, outros pontos na proposta do governo, alguns no rumo de melhora do sistema de tributação, mas estes, no atual momento político e econômico, infelizmente são encobertos pelos interesses políticos de um governo acuado e à procura de sobrevida.