Ato com Bolsonaro reúne 12 mil motos em SP em meio a novo avanço da pandemia
Um ato político com presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reuniu milhares de motociclistas em São Paulo neste sábado (12). A motociata durou cerca de quatro horas, reuniu cerca de 12 mil motos, segundo o governo paulista, travou o trânsito em diferentes pontos da capital e levou ao fechamento completo dos dois sentidos da rodovia dos Bandeirantes até região de Jundiaí.
Com o presidente à frente, sem máscara, a manifestação intitulada “Acelera para Cristo” começou às 10h, na região de Santana, zona norte da capital, e terminou no obelisco do Ibirapuera, às 13h30. O percurso, que incluiu um bate-volta a Jundiaí, foi de cerca de 130 km.
Ao longo do trajeto, gritos de “aqui é Bolsonaro”, “viva, Bolsonaro” e “isso está gigante” se misturaram com barulho de buzinas e ronco dos motores das motocicletas. Houve também gritos contra a imprensa e o governador João Doria (PSDB), adversário político do presidente.
Bolsonaro chegou de carro poucos minutos antes, cumprimentou apoiadores e causou aglomeração. Foi levantado e cumprimentou manifestantes do alto. Eram tantas motos que as últimas delas só conseguiram deixar a concentração quase uma hora após o início da motociata.
Na concentração e na dispersão houve aglomeração de apoiadores. A maioria dos motociclistas não usava máscara de proteção contra a Covid e tinha bandeiras do Brasil amarradas no corpo. O presidente foi saudado por apoiadores em diferentes pontos do trajeto.
Antes do evento, um “pedágio solidário” foi montado para receber doações de alimentos que serão distribuídos em comunidades carentes. Duas fileiras com voluntários, em sua maioria de máscara, recepcionavam os motociclistas e distribuíam bandeiras do Brasil e adesivos.
A motociata com Bolsonaro ocorreu num momento de novo avanço da pandemia. Nesta sexta-feira (11), o Brasil registrou 2.215 novas mortes por Covid-19 e 86.061 novos casos da doença. Com isso, o total de mortes no país chegou a 484.350 e o de casos a 17.301.220 desde o início da pandemia.
A média móvel de mortes ficou em 1.912 óbitos por dia, marca mais alta em 20 dias —o número está há 140 dias acima de mil mortes diárias, considerado um patamar bastante alto.
O governo João Doria, adversário político de Bolsonaro, autou o presidente por não usar máscara de proteção facial contra a Covid na manifestação. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, também foram autuados.
O governo afirmou que equipes da Saúde e Segurança Pública flagraram os três sem máscara. O valor da autuação é de R$ 552,71.
“O documento endereçado às três autoridades pontua a necessidade da manutenção das medidas preventivas já conhecidas e preconizadas pelas autoridades sanitárias internacionais, como uso de máscara e distanciamento”, diz a nota.
Mais tarde, também o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi autuado por não ter utilizado máscara. No documento, consta que “a infração foi constatada em carro de som em frente ao Monumento às Bandeiras”.
O presidente já havia sido autuado pelo governo Flávio Dino (PC do B), do Maranhão, por causar aglomeração e não usar máscara de proteção facial em evento em Açailândia, em maio.
Em reunião dos organizadores com a PM, foram estabelecidas algumas regras: as motos deveriam estar todas emplacadas e não poderiam trafegar a mais de 40 km/h. Está proibido empinar o veículo, e todos devem usar capacete e máscaras —nem todos seguiram esse último item do acordo.
Neste sábado, o reforço no policiamento em razão da motociata custou R$ 1,2 milhão aos cofres públicos, segundo o governo paulista.
A ação teve a participação de 1.433 policiais, com a atuação de batalhões territoriais e especializados, como Baep, Choque e Canil, além de equipes do Corpo de Bombeiros e do Resgate.
O evento também contou com o apoio de cinco aeronaves, dez drones e aproximadamente 600 viaturas —entre motos, carros, bases comunitárias móveis e unidades especiais.
Na motociata, Bolsonaro usou capacete que é de uso terminantemente proibido em vias públicas segundo resolução 453/2013 do Conselho Nacional de Trânsito. A área de proteção lateral desse tipo de equipamento não atende aos requisitos de proteção estabelecidos pela resolução.
De acordo com o Código de Trânsito, em seu artigo 244, o não uso de capacete adequado é considerado infração gravíssima. A penalidade é multa e suspensão do direito de dirigir, e a medida administrativa prevista é recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo até a regularização.
Apesar da presença de diversas autoridades policiais e da CET no evento, Bolsonaro seguiu durante todo o trajeto com o capacete inadequado.
Além disso, vídeos mostram Bolsonaro dirigindo moto com a placa coberta, ação que é passível de ser enquadrada criminalmente. O Código Penal prevê pena de três a seis anos de reclusão para o crime de adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor.
O ato, incentivado por Bolsonaro nos últimos dias em suas redes sociais, ocorre duas semanas após protestos contra o presidente, convocados pela esquerda, terem reunido milhares de pessoas em diferentes cidades do país.
A motociata ocorre também uma semana antes de um novo protesto desse grupos marcado para o próximo sábado (19). Bolsonaro até aqui tem minimizado o tamanho dos atos contra ele.
Na ocasião, liderados por centrais sindicais, movimentos sociais e partidos de esquerda, as manifestações contra Bolsonaro foram alvo de críticas por acontecerem presencialmente em meio à pandemia, num momento em que o país ultrapassava 450 mil mortes pela doença —e cerca de 2.000 em 24 horas.
Nas manifestações contra Bolsonaro, a recomendação para a utilização de máscaras teve ampla adesão de manifestantes, mas houve aglomerações em diversos locais, em descumprimento às regras de distanciamento social sugeridas por especialistas para conter a disseminação da Covid.
A promoção de aglomerações contraria as recomendações de médicos e especialistas para evitar a propagação do vírus. Em ambientes ao ar livre, a orientação é a de que as pessoas mantenham uma distância de pelo menos 1,5 metro.
Bolsonaro é alvo de dezenas de pedidos de impeachment, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou no início deste mês que "não é uma caminhada de um grupo numa semana" que vai fazer com que um processo de impeachment avance na Casa. Cabe a Lira dar andamento a um dos mais de 110 pedidos em análise na Câmara dos Deputados.
A motociata anterior, em 23 de maio no Rio de Janeiro, foi a que provocou a mais recente crise militar no governo. Isso porque o ato político teve a participação de Eduardo Pazuello, general da ativa e ex-ministro da Saúde. Ele estava sem máscara e falou ao microfone, exaltando o presidente.
Dez dias depois, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, aceitou a pressão e a interferência de Bolsonaro e decidiu livrar Pazuello de qualquer punição por ter participado de um ato político do presidente.
A motociata saiu de Santana, seguiu pela marginal Tietê e continuou até o km 62 da rodovia dos Bandeirantes, fechada em todos os acessos à espera da passagem do presidente. No retorno, passou pela marginal Pinheiros, avenidas dos Bandeirantes e Rubem Berta, encerrando no obelisco do Ibirapuera.
Ao todo, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SP, houve três incidentes envolvendo participantes do ato. Nenhum deles com gravidade. O primeiro caso foi um acidente no km 30 da rodovia dos Bandeirantes, em que o motociclista caiu e precisou ser atendido por uma ambulância.
Outro motociclista caiu da moto no km 16, mas como não teve gravidade, a pessoa se levantou e seguiu no evento. Uma terceira pessoa teve um mal súbito na marginal e foi atendida.
Segundo a AutoBAn, concessionária responsável pelo sistema Anhanguera-Bandeirantes, foram registrados 17 atendimentos de socorro mecânico, entre eles motocicletas com bateria descarregada e panes mecânico e elétrico.
O evento vinha sendo pensado há cerca de um mês com proporções bem mais modestas, organizado por um grupo de comerciantes e de igrejas evangélicas do estado.
Mas o ato cresceu muito desde que Bolsonaro confirmou participação, o que inclusive começou a incomodar alguns representantes de associações de motociclistas, que dizem que o evento foi “sequestrado” por líderes religiosos sem relação com o universo motoqueiro.
Em parte, a ideia era compensar o cancelamento presencial do maior evento evangélico do país, a Marcha Para Jesus, por causa da pandemia. A marcha costuma ocorrer no mês de junho.
O presidente tem no meio evangélico uma base de seguidores fiel, embora a última pesquisa Datafolha tenha apontado um empate técnico com o ex-presidente Lula (PT) no apoio dado por este segmento.
Mais recentemente, Bolsonaro passou a receber também o apoio de muitos motociclistas, que se organizam no Brasil em diversos clubes de aficionados pelas duas rodas. Grande parte deles associa o presidente, que é motociclista amador, à defesa da liberdade.
Bolsonaro também promoveu a redução do valor do seguro obrigatório e acenou com a isenção de pedágio em estradas federais para os motociclistas.