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'Brasil é responsável por 3% das emissões globais, os outros é que precisam aumentar suas ambições', diz Salles sobre pressão internacional

Eliane Oliveira e Thiago Bronzatto /O GLOBO

 

BRASÍLIA - Nas duas últimas semanas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem feito uma série de encontros com autoridades de diferentes países para retocar a imagem do Brasil, tisnada pelo impacto do desmatamento da Floresta Amazônica no aquecimento global. A investida tem como estratégia vencer resistências internacionais em relação à política ambiental do governo federal e preparar o terreno para o discurso do presidente Jair Bolsonaro nos próximos dias 22 e 23 na reunião virtual da Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Nessas conversas, o ministro do Meio Ambiente tem reconhecido que o Brasil avançou pouco no combate à devastação da Floresta Amazônia e tem defendido que o país precisa de ajuda financeira, sobretudo das nações desenvolvidas, para fazer mais do que prometeu para debelar o desmatamento. Para reforçar esse discurso, Bolsonaro preparou uma carta para Biden na qual reafirma o compromisso do Brasil, feito em 2015 no âmbito do Acordo de Paris, de eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Essa meta, segundo o presidente, só poderá ser alcançada com o investimento de “recursos vultosos” e com o apoio do governo americano.

Ao GLOBO, Salles afirma que o Brasil deveria ter recebido US$ 133 bilhões por ter reduzido as emissões de carbono em 7,8 bilhões de toneladas entre 2006 e 2017, nos governos anteriores ao atual. Ele faz o cálculo baseado no preço do mercado de carbono da Califórnia, onde a tonelada vale US$ 16. No entanto, no âmbito do Acordo de Paris o mercado de carbono, previsto no artigo 6º, não foi regulamentado ainda. O que, sim, foi é o mercado voluntário, previsto no artigo 5º, pelo qual o Brasil recebeu US$ 1 bilhão no Fundo Amazônia, formado por contribuições da Alemanha e da Noruega - e que está parado por divergências entre o governo Bolsonaro e doadores.

O ministro diz que o desembolso internacional é necessário para socorrer moradores da região amazônica que querem sair da criminalidade, mas não têm outra fonte de renda, e para suprir a ausência de apoio de alguns estados.

Salles também afirmou ser "absurda, sem fundamento" a acusação de que ele dificultou a ação de órgãos ambientais, presente na notícia-crime enviada pelo agora ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas ao Supremo Tribunal Federal. Nesta quinta-feira, o delegado Alexandre Saraiva foi afastado do posto.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

O presidente Jair Bolsonaro escreveu uma carta ao presidente Biden reafirmando o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Qual a importância desse gesto?

A carta ao presidente Biden ressalta que as mudanças climáticas vêm sendo causadas sobretudo pelos países ricos e seus combustíveis fósseis. Mesmo assim, o Brasil não se furtará em contribuir para resolver o problema. Da mesma forma, também gostaríamos que os países ricos participassem da solução da falta de desenvolvimento sustentável da Amazônia, principal causa do desmatamento ilegal.

Qual a importância da reunião de cúpula sobre o clima, convocada por Joe Biden, para o Brasil?

Os Estados Unidos voltaram para o Acordo de Paris com a firme decisão de fazer alguma coisa concreta em prol do combate às mudanças climáticas. Qualquer coisa que se faça nesse sentido, o Brasil é parte obrigatória.

O senhor sempre reclama que não há apoio financeiro para o Brasil reduzir o desmatamento. Mas o que o governo faria com esse dinheiro?

De 2006 a 2017, o Brasil reduziu 7,8 bilhões de toneladas de emissões. Isso não é o Ricardo Salles que está dizendo, nem o Bolsonaro, tampouco ninguém. Está lá na ONU (Organização das Nações Unidas). O volume de reduções ou de emissões evitadas pelo Brasil é o que serve para o mercado voluntário, o que serve para doações. Quanto valem essas 7,8 bilhões de toneladas, sob o ponto de vista mercadológico? Se você estivesse negociando isso na Califórnia, valeria US$ 133 bilhões. Se estivéssemos negociando esse mesmo volume na Inglaterra, valeria US$ 294 bilhões. Quanto o Brasil recebeu até hoje? Um bilhão e um pouquinho. Quando o pessoal fala: "Ah, mas o Brasil tem de mostrar resultados primeiro". Nós já temos o resultado. Resultados esses que não foram honrados a título de pagamento. Esse argumento, de só querer pagar em termos de resultado futuro, não se sustenta.

Existe uma quantidade de redução nada dispensável, bastante significativa, que está sendo ignorada há anos. Ora, estamos há quinze anos mostrando redução de desmatamento e nem por isso nós recebemos dinheiro. Temos 84% da Floresta Amazônica preservada por mérito dos brasileiros, 12% da água doce do planeta disponíveis por mérito dos brasileiros. Como é que pode o Brasil ser visto como alguém que não tem lastro para pedir nada? Temos lastro. Temos 84% da floresta. Temos a biodiversidade. Temos água doce. Temos credibilidade para pedir dinheiro lá na frente. Quanto de dinheiro? Todos os US$ 133 bilhões? Não. Nem os US$ 20 bilhões que o Biden prometeu na sua campanha. Estamos pedindo US$ 1 bilhão. Para que é esse US$ 1 bilhão? A proposta é que um terço dos recursos vá para o Comando e Controle, por meio da mobilização de dez Batalhões de Força Nacional, que, juntos com o Ibama, ICMBio e Polícia Federal, fariam a cobertura das dez maiores regiões da Amazônia, onde há altos índices de desmatamento. Isso são cerca de 3,5 mil homens. Nesse mesmo valor, estamos falando de 1,5 mil brigadistas profissionais, bombeiros, para além dos 3 mil brigadistas que o Ibama já contrata dentro do Programa Prevfogo. Não estamos abrindo mão de nada do que a gente já faz, para usar o dinheiro dos outros. Estamos falando de um contingente bastante significativo, que custa. Porque, junto com esse pessoal, tem transporte, alimentação, deslocamento aéreo...

Para onde iriam os outros dois terços do dinheiro?

Justamente para algo que não se fez até hoje, e é por isso que eu entendo que, dentre outras razões, vem havendo um desmatamento de 2012 para cá. Quando você não cuida das pessoas, quando você não dá incentivo econômico para que saiam daquele círculo vicioso de atividades ilegais na floresta, acabam sendo cooptadas de novo para a atividade criminosa. Você vai ao local, faz a operação de comando e controle, faz o cumprimento da lei, reforça, sai de lá, e a pessoa volta para a criminalidade, volta para o roubo de madeira, volta para o garimpo ilegal, volta para a grilagem de terra. Em muitos casos, ela não tem alternativa de renda, não tem como ganhar dinheiro naquilo que ela precisa. Para o curto prazo, a resposta não é investir em pesquisa, não é investir em diversidade, não é investir em coisas intangíveis. A solução, para fazer junto com o comando e controle ao mesmo tempo, é colocar dinheiro na região. O morador da Amazônia, por ausência de alternativas, vai trabalhar para quem oferece emprego para ele, seja cortar madeira, seja garimpar, seja o que for. Essa pessoa, quando for fiscalizada nesse modelo que estamos idealizando, vai trabalhar no parque, na unidade de conservação, vai ser brigadista, vai combater incêndio.

Há uma pressão internacional muito grande sobre o governo Bolsonaro para que o Brasil apresente metas mais ambiciosas na reunião de líderes sobre o clima na semana que vem e na COP 26. Como avançar mais?

O Brasil é responsável por 3% das emissões globais. Os países ricos, cada um deles na sua região, representam 66%. Os países ricos, cada um deles na sua região, representam 66%. Estamos esperando até hoje o fluxo dos recursos, os US$ 100 bilhões anuais, que foram prometidos [em financiamento climático pelos países ricos, para todos os países vulneráveis] na assinatura do Acordo de Paris. Os outros é que precisam aumentar suas ambições. Somos um dos países que têm esse crédito de parte desses US$ 100 bilhões e continuamos esperando. Não podemos assumir uma culpa que não é nossa.

O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, disse nesta semana que, se não houver algum gesto do Brasil na área ambiental, seu país deixará de apoiar a candidatura brasileira na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)...

Qual era a narrativa, no final do ano passado, depois que o presidente Biden foi eleito? Que o governo brasileiro ficaria isolado, porque o Bolsonaro não é afinado com o Biden, e não ia ter conversa com o governo americano. O que aconteceu na prática? O contrário disso. Tão logo foi confirmado o nome do presidente Biden pelo Congresso, o presidente Bolsonaro mandou uma carta, cumprimentando-o pela vitória. E o governo como um todo, incluindo a área ambiental, retomou ou iniciou todas as conversas que tinham de ser feitas, incluindo eu, com o emissário americano para o clima, John Kerry. Depois disso, passamos a ter reuniões com a equipe de Kerry, com Alok Sharma, presidente da COP 26, e com os ministros de meio ambiente dos países mais relevantes para nós, do ponto de vista de negociação. Conversei com o representante da China e, na sexta-feira, falarei com o da Índia. Falei com vários embaixadores, como os do Reino Unido e da Alemanha. Agora, é da natureza do processo de negociação que os pontos diferentes sejam apresentados e se procure um lugar-comum.

Há um processo de negociação, então?

Existe um processo de negociação, existe um tempo de entendimento mútuo, existe, até de certa forma, uma necessidade de que você apresente e as pessoas compreendam quais são os seus pontos. Eu me refiro mais aos EUA, que voltaram para o Acordo de Paris. O entendimento com os americanos teve de passar, no início, por um processo de explicação mútua do que eles entendem e o que nós entendemos sobre cada um dos temas, cada um dos assuntos, cada um dos conceitos, cada uma das dificuldades. Lembrando sempre o seguinte: somos um país de só 3% de emissões, muito menos que os EUA, que são de 15%. A Europa é de 14%. China, 30%. Índia, 7%. Dos nossos 3%, o desmatamento como um todo, incluídos legal e ilegal, é a metade. Quando o pessoal pede para a gente atacar as emissões do desmatamento, estamos falando de metade das emissões brasileiras, que é 1,5% dos 100% do planeta – 1,5%. Isso tem de ser levado em consideração.

Os governadores da Amazônia se queixam que o governo faz tudo sem consultá-los.

Não é verdade. Primeiro, os governadores têm tido reuniões rotineiras com o Conselho da Amazônia. Segundo, a responsabilidade do Brasil para com a opinião pública internacional recai sobre o governo federal. É natural que o governo federal fique à frente dessas iniciativas para negociar. Alguns estados têm tido muita responsabilidade nesse problema. Por outro lado, a presença das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem foi necessária, porque há estados que não puseram as suas polícias militares para atuar, seja no apoio ao próprio Ibama e ICMBio, ou na repressão de crimes que são da sua competência. Isso é algo que também pouco se fala. O Ibama, o ICMBio, a Polícia Federal, enfim, têm como competência unidades de conservação, terra indígena, assentamento do Incra e faixa de fronteira. Todas as propriedades privadas da Amazônia que estão fora dessas condições são responsabilidades dos estados. Em 2019, por exemplo, antes de a pandemia acontecer, tivemos alguns exemplos de governadores que simplesmente se negaram a mandar a polícia militar participar das operações do Ibama e ICMBio.

O senhor se refere a quais estados?

O Pará, por exemplo, tem o maior índice de desmatamento do Brasil e tira a sua polícia militar das operações de combate ao desmatamento e deixa o assunto todo nas costas do governo federal. E depois quer decidir como é que resolve a questão internacional? É uma incompatibilidade.

Mesmo com todo esse esforço, a aplicação de recursos e o envio de tropas do Exército, o desmatamento continuou subindo ao longo dos últimos dois anos. Como o senhor explica isso?

Desenhamos o Plano Nacional para Combate do Desmatamento Ilegal na Amazônia com cinco pilares. Um deles é comando e controle, mas há outros quatro que são igualmente importantes e que precisam ganhar tração. Foi feita a regularização fundiária? Não. Aconteceu alguma revolução econômica a ponto de gerar bioeconomia na Amazônia? Não. O zoneamento econômico ecológico dos estados da Amazônia, para ordenar a ocupação territorial sobre vários aspectos, como infraestrutura, recursos naturais e crescimento populacional, foi feito? Não. O único item da pauta que saiu do papel foi o Pagamento por Serviços Ambientais, que é do Ministério do Meio Ambiente. Os demais assuntos são de outros ministérios. Por isso, foi criado o Conselho da Amazônia, para centralizar essas diferentes pautas, que eram de outros ministérios e que, sem uma centralização, não andariam.

Em quais aspectos o Conselho da Amazônia deveria melhorar?

O Conselho da Amazônia tem um desafio muito grande, que é coordenar essas diversas pontas. Do ponto de vista legislativo, a Medida Provisória 910, que era a MP para a regularização dos critérios de regularização fundiária, foi injustamente rotulada de MP da grilagem, que caducou. Como resolver a regularização fundiária no Brasil, se não há um marco legal adequado? Acho que agora o Congresso, apoiado pelo Conselho e pelo governo federal, deverá colocar essa discussão da regularização fundiária, decidir qual é o parâmetro. Ninguém está dizendo "faça isso" ou "faça aquilo", mas faça alguma coisa. Um segundo exemplo é a mineração na Amazônia, algo que temos conversado com os estrangeiros. Qual é o pressuposto realista? Existe e já existia – não foi criado com o Bolsonaro – mineração na Amazônia. Ponto. Diante desse fato, você pode ter uma regra restritiva com licenciamento, com compensação ambiental, com pagamento de royalties, com o marco legal bastante restritivo, porém factível, para permitir que as pessoas se regularizem, se formalizem, que façam as coisas direito. Você estabelece um marco legal para a mineração, qual seja, dentro de terra indígena ou fora. A quem cabe fazer o marco legal da mineração? Ao Ministério de Minas e Energia, junto com o Congresso Nacional. E, no que tange a parte de terras indígenas, tem mais uma parte envolvida, que é o Ministério da Justiça, por meio da Funai.

Por que o Fundo da Amazônia está parado?

O Fundo parou porque a Noruega não concordou com a sugestão de alteração da governança que propusemos. Ao contrário do que foi dito muitas vezes, não foi o Ministério do Meio Ambiente que congelou ou bloqueou o Fundo. O Ministério propôs uma alteração, via decreto, e os doadores, Noruega e Alemanha, não concordaram com a mudança da governança. E, ao não concordarem, solicitaram que se interrompesse a fruição dos recursos. Conversamos com o governo da Noruega duas semanas atrás, e há uma possibilidade de o Fundo ser retomado a partir de julho, se o desmatamento cair ou se estabilizar.

Qual a importância da participação dos empresários nesse debate?

É grande, porque há todo um interesse, legítimo, correto, no sentido de que esse esforço todo pela neutralidade, além de ser uma oportunidade de negócio no mercado de carbono. Do ponto de vista comercial, é importante manter uma imagem positiva do Brasil. É natural que o Estado brasileiro se alie, tenha uma visão da sustentação aos interesses dos empresários, no sentido de que não atrapalhe, e ajude os negócios deles. Vejo com absoluta naturalidade a participação, a contribuição, o alinhamento e até a discordância, sempre feita de bom nível, de maneira cordial, de qualquer assunto, sem nenhum problema.

O senhor foi apontado por seus críticos como um integrante da ala ideológica do governo e que, sob pressão, mudou o discurso. Houve de fato uma inflexão?

Em todo início de governo, há uma inevitável arrumação das coisas. O Brasil vinha de uma administração pública de praticamente 20 anos de governos de esquerda, com uma visão inerente a essa política, e elegeu um presidente que tem uma visão diferente, uma visão conservadora nas questões de princípios, uma visão liberal da economia, e uma visão de direita na política. Essas posições novas se deram em vários ministérios, inclusive no meu. Agora há uma acomodação e até, de certa forma, de aceitação do próprio debate. Sou o mesmo ministro que eu era há um ano, tenho as mesmas posições, as mesmas convicções. Sempre fui uma pessoa liberal, pró-mercado, de defesa da livre iniciativa e da propriedade privada. Continuo tendo as mesmas convicções. Só que eu acho que agora conseguimos conversar melhor.

O delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, enviou uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal, alegando que o senhor dificultou ação de órgãos ambientais...

A acusação é absurda, sem fundamento. Vou responder na forma da lei dentro do processo.

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