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Dilma silencia sobre trecho do pedido de impeachment que menciona Lava Jato

O pedido de impeachment que corre contra Dilma Rousseff na Câmara possui 64 páginas. A íntegra pode ser lida aqui. Nas primeiras 11 folhas, a peça associa a presidente à roubalheira ocorrida na Petrobras. Ao se defender em público, Dilma menciona apenas as acusações relacionadas às chamadas pedaladas fiscais. Por conveniência ou falta de argumentos, ignora o pedaço da denúncia que a vincula ao petrolão.

Subscrito pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, além da advogada Janaína Paschoal, o documento sustenta que a Lava Jato já trouxe à luz fatos que incriminam Dilma. Na semana passada, depois que ministros do STF disseram que impeachment não é golpe, a presidente refinou seus argumentos. Admitiu o óbvio: o impeachment é uma ferramenta prevista na Constituição. Mas acrescentou: “sem crime de responsabilidade é, sim, golpe.”

Pois bem. Os autores do pedido de impeachment afirmam que o que já foi apurado na Lava Jato é suficiente para a deflagração do processo que visa afastar Dilma da Presidência, Sustentam que “a conduta omissa da denunciada [Dilma], relativa aos desmandos na Petrobras, restou mais do que comprovada, implicando a prática de crime de responsabilidade nos termos do artigo 9, itens 3 e 7” da lei 1.079/50.

O artigo 9º da lei é o que enumera “os crimes de responsabilidade contra a probidade na administração.” O item 3 enquadra como conduta criminosa “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição.” O item 7 informa que também é crime “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.”

Os denunciantes anotam que, em cada uma de suas diversas fases, a Lava Jato engolfa “pessoas próximas à presidente, desconstruindo a aura de profissional competente e ilibada, criada por marqueteiros muito bem pagos.” Acrescentam que “a máscara da competência fora primeiramente arranhada no episódio envolvendo a compra da Refinaria de Pasadena”, que resultou em prejuízos superiores a R$ 700 milhões pela a Petrobras.”

O texto recorda que, embora fosse presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Dilma eximiu-se de responsabilidade alegando que havia se guiado por um parecer técnica e juricamente falho. Na época, “ninguém teve a audácia de desconfiar da probidade da presidente”, dizem Bicudo, Reale e Janaína. “Mas, como se diz popularmente, Pasadena foi apenas a ponta do ‘iceberg’, pois a Operação Lava Jato realizou verdadeira devassa em todos os negócios feitos pela Petrobras…”, hoje uma estatal em situação precária, “completamente descapitalizada e desacreditada, inclusive internacionalmente.”

Já nas primeiras delações premiadas, feitas pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Yousseff, verificou-se um descalabro que levou o ministro Gilmar Mendes, do STF, a dizer que, comparado à Lava Jato, “o mensalão se transformou em feito passível de ser julgado por Juizado de Pequenas Causas.”

O documento realça um detalhe revelador sobre a proximidade de Dilma com um dos delatores: “Vale destacar que Paulo Roberto Costa era pessoa muito próxima à presidente da República, ao lado de quem posou para várias fotografias em eventos públicos, tendo sido convidado para o casamento da filha da presidente, em cerimônia bastante reservada.”

Evocando um trecho de depoimento prestado à força-tarefa da Lava Jato em outubro de 2014, o texto diz que o doleiro “Alberto Youssef asseverou que, dentre outras autoridades, a presidente da República tinha ciência do que acontecia na Petrobrás.” Mais: “Em 25 de agosto do ano corrente [2015], Youssef reafirmou que Lula e Dilma sabiam do esquema de propinas, na Petrobras.”

Durante a campanha presidencial de 2014, Dilma “negou que a situação da Petrobrás, seja sob o ponto de vista moral, seja sob o ponto de vista econômico, era muito grave”, escrevem os autores da denúncia. Fez isso mesmo depois das prisões de grão-petistas como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, mesmo “diante de fortes indícios de que muitas irregularidades haviam sido praticadas.”

Durante a campanha, prossegue a denúncia, Dilma “insistiu na estapafúrdia tese de que as denúncias seriam uma espécie de golpe, mera tentativa de fragilizar a Petrobras, sempre destacando sua expertise na área de economia e de energia, ou seja, a presidente dava sua palavra acerca da higidez da empresa! Vale lembrar que a presidente da Petrobras [Graça Foster] deixou o cargo apenas em fevereiro de 2015, quando a situação já era insustentável, no segundo mandato, portanto.”

A certa altura, como que antevendo o retorno do padrinho político de Dilma à boca do palco, os autores do pedido de impeachment escrevem que o quadro revelado pela Lava Jato “é ainda pior”. Por quê? A operação “jogou luz sobre a promíscua relação havida entre o ex-presidente Lula e a maior empreiteira envolvida no escândalo [Odecrecht], cujo presidente já está preso, há um bom tempo.”

O texto se refere a Lula como “verdadeiro operador da empreiteira, intermediando seus negócios junto a órgãos públicos, em troca de pagamentos milionários por supostas palestras, dentre outras vantagens econômicas.” Relembra que, em julho de 2015, a Procuradoria da República iniciou, em Brasília, “investigação pela suposta prática de tráfico de influência, por parte do ex-presidente Lula, a fim de apurar favorecimento ao grupo Odebrecht, no exterior.”

“Os contornos de crime de responsabilidade ficam mais salientes, quando se verifica que Lula é muito mais do que um ex-presidente, mas alguém que, segundo a própria denunciada [Dilma], lhe é indissociável e nunca saiu do poder”, anota o pedido de impeachment. “De fato, antes de o candidato do PT para a eleição de 2014 estar definido, quando perguntada acerca da possibilidade de o ex-presidente voltar, a atual presidente respondeu que ele (Lula) não iria voltar porque nunca havia saído, frisando que ambos seriam indissociáveis.”

O documento faz referência ao relatório que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) elaborou sobre Lula. O órgão, vinculado ao Ministério da Fazenda, atestou que Lula recebera “quase R$ 30 milhões, boa parte de empresas que contratam com o governo federal, por supostas palestras.” E Dilma, em vez de mandar investigar “os estranhos recebimentos, mandou apurar o vazamento da informação, em mais um sinal de que está disposta a tudo para proteger seu antecessor.”

Embora tenha sido protocolado em 15 de outubro do ano passado, o pedido de impeachment contém trechos que, por premonitórios, mantiveram-se atuais como se tivessem sido redigidos ontem. Menciona “a constante defesa” que Dilma faz de Lula. Mais: “…objetivando lhe conferir certa imunidade, estuda elevá-lo à condição de ministro. Elevar à condição de ministro quem pode ter funcionado como operador da empreiteira que desfalcou a Petrobrás?! A imprensa nacional, inclusive, noticia que a presidente Dilma já passou o governo ao ex-presidente Lula, em uma espécie de terceiro mandato! Um acinte!”

O texto lança no ar uma interrogação: “Independentemente de qualquer antecipação de juízo sobre culpa, estando o presidente da Odebrecht preso, sendo fato notório que Lula lhe prestava assessoria nos contratos firmados e mantidos com o poder público, não seria caso, no mínimo, de a presidente Dilma Rousseff afastar-se, ao menos institucionalmente, de seu antecessor?”

Os autores da petição do impeachment se insurgem contra a tese segunda a qual nada há na praça que incrimine Dilma. “Os escândalos que se sucedem, de há muito, passam próximos a ela, não sendo possível falar em mera coincidência, ou falta de sorte. A presidente da República faz parte desse plano de poder. E os poderes constituídos precisam, nos termos da Constituição Federal, agir.”

O texto joga na fogueira uma personagem notória: Erenice Guerra, que foi a número 2 de Dilma na Casa Civil da Presidência, substituindo-a no posto quando a pupila de Lula saiu do governo para candidatar-se à Presidência, em 2010. “Não é exagero lembrar que, quando ainda era ministra da Casa Civil, a presidente tinha como seu braço forte a ex-ministra Erenice Guerra, que sempre se encontra em situações questionáveis, sendo certo que, mais recentemente, envolveu-se na Operação Zelotes, referente à corrupção no Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal].”

A denúncia prossegue: “Como de costume, seja com relação a Erenice Guerra, seja com relação a Graça Foster, seja com relação a Nestor Cerveró, ou Jorge Zelada, a presidente agiu como se nada soubesse, como se nada tivesse ocorrido, mantendo seus assistentes intocáveis e operantes na máquina de poder instituída, à revelia da lei e da Constituição Federal.”

Pior: “Para espanto de todos, Edinho Silva, tesoureiro da campanha da presidente, apontado como receptor de quase R$ 14 milhões, é mantido no governo, no importante cargo de Ministro de Comunicação Social [da Presidência da República].

Para Bicudo, Reale e Janaína “a tese do suposto desconhecimento se mostra insustentável. Fosse um único fato, até se poderia admitir tratar-se de um descuido, ou coincidência; porém, estando-se diante de uma verdadeira continuidade delitiva, impossível crer que a presidente da República não soubesse o que estava passando a sua volta. E os crimes se estenderam a 2015, ou seja, invadiram o segundo mandato!”

A despeito da acidez desse pedaço do pedido de impeachment, Dilma não se anima a defender-se. Limita-se a falar sobre “pedaladas fiscais”. Afirma que, se pedalar o Orçamento da União fosse crime, todos os seus antecessores deveriam estar em cana. Líder do PSDB no Senado, o tucano Cássio Cunha Lima diz que, perto do que Dilma fez com o Orçamento da União, Fernando Henrique Cardoso “pedalou um velocípede''. JOSIAS DE SOUZA

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