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Covas repassa 70% da verba para obras nos bairros a redutos de principal aliado na Câmara Municipal de São Paulo

Por Guilherme Balza, GloboNews — São Paulo

A gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) direcionou quase 70% das verbas para melhorias nos bairros a apenas três das 32 subprefeituras da cidade de São Paulo até 19 de maio. As áreas beneficiadas estão no extremo Sul da cidade e são redutos eleitorais do vereador Milton Leite (DEM), ex-presidente da Câmara Municipal e um dos principais aliados do prefeito.

Neste ano, a prefeitura repassou ao todo R$ 128 milhões para intervenções nos bairros até maio. A verba foi liberada para ações como asfaltamento de vias, reformas de praças e canalização de córregos até maio. A Subprefeitura de Parelheiros recebeu, sozinha, R$ 56 milhões. Em seguida, vêm as subprefeituras de M’Boi Mirim, que recebeu R$ 22 milhões, e Capela do Socorro, R$ 9 milhões. As 29 subprefeituras restantes dividem os R$ 41 milhões que sobraram.

A gestão Bruno Covas afirmou, por meio de nota, que a Zona Sul é a segunda região mais populosa da cidade e possui a maior extensão territorial, além de abrigar distritos que apresentam os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) da capital. Já a assessoria do vereador admitiu que ele tem forte atuação política nessas regiões e que "cabe ao mandato de Milton Leite resgatar a injustiça feita ao longo do tempo na distribuição dos recursos" (leia mais abaixo).

  • Verba para melhorias dos bairros até 19 de maio:
  • Parelheiros - R$ 55,8 milhões
  • M'Boi Mirim - R$ 21,6 milhões
  • Capela do Socorro - R$ 9,1 milhões
  • Demais subprefeituras: R$ 41 milhões
  • Total de recursos liberados: R$ 128,4 milhões

As três regionais que dividem os R$ 87 milhões ficam no extremo sul da cidade de São Paulo, área de influência de Milton Leite. Juntas, possuem 11% da população da capital (1,4 milhão de habitantes), mas foram beneficiadas com 67% dos recursos repassados pela prefeitura.

 

A maior disparidade está em Parelheiros, que tem 1,2% da população da cidade e recebeu 44% de toda a verba disponível para intervenções nos bairros, cerca de R$ 55,8 milhões.

Faixa com imagem da família do vereador Milton Leite (DEM) é exibida em ruas de Parelheiros que recebem obras da Prefeitura de São Paulo. — Foto: Acervo Pessoal

Faixa com imagem da família do vereador Milton Leite (DEM) é exibida em ruas de Parelheiros que recebem obras da Prefeitura de São Paulo. — Foto: Acervo Pessoal

“Milton Leite é muito influente na Câmara, já foi presidente da Casa, já esteve prefeito e é alguém que exerce forte influência sobre outros vereadores. Ele tem uma capacidade grande de fazer as demandas dos redutos onde ele têm forte influência serem recepcionadas de maneira prioritária pela agenda do prefeito. Passa pela mão do Milton Leite e de seus aliados a formação de uma maioria na Câmara Municipal. Isso é parte do jogo político que se coloca”, afirma o professor Marco Antônio Teixeira, pesquisador do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

“Obviamente que é algo absolutamente questionável. O que justificaria isso do ponto de vista socioeconômico? Não há justificativa. Parelheiros, M'Boi Mirim, Capela do Socorro precisam dos recursos, assim como Guaianazes, Itaim Paulista, Brasilândia e Perus precisam, assim como outros bairros que foram abandonados pelo poder público”, acrescenta o professor.

Asfalto e falta de leitos

Durante a quarentena em São Paulo nos últimos três meses, as obras de asfaltamento em Parelheiros não pararam. Segundo os moradores e líderes comunitários, por várias vezes Milton Leite visitou os locais, acompanhado dos filhos. Todas as semanas o vereador compartilha fotos e vídeos das obras nas redes sociais com a hashtag “Miltão não para”.

Enquanto isso, obras na área de saúde na região se arrastam por falta de verbas.

No final de março, já em meio à pandemia, Bruno Covas inaugurou 20 leitos de UTI no Hospital Municipal de Parelheiros – em poucos dias a unidade ficou com 100% dos leitos ocupados. A promessa era que até o final de maio 268 leitos adicionais fossem implantados na unidade, mas isso não ocorreu. Até agora foram montados 102 leitos de UTI, quase um terço do que foi prometido.

No início de junho, funcionários e pacientes denunciaram à reportagem do SP1 a falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), medicamentos e até cobertores.

Outra obra atrasada é a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Parelheiros, que foi paralisada em 2016. Covas decidiu retomar a construção da unidade em 30 de maio.

O urbanista Kazuo Nakano, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que o orçamento da cidade precisa ser simplificado e “territorializado” para que haja justiça na distribuição dos recursos públicos.

“Há mais de 20 anos a sociedade civil organizada de São Paulo reivindica a territorialização e a simplificação do orçamento para que seja mais compreensível para a maioria. Isso permite que os recursos sejam usados de forma mais planejada e justa e evita a utilização da verba pública com finalidades eleitoreiras, para fortalecer uma relação clientelista entre representantes políticos e a população. Quando a gente vê essa forma de utilização dos recursos para favorecer currais eleitorais desse ou daquele vereador, a gente percebe que é mais urgente do que nunca fazer essa territorialização de forma ampla", afirma.

Faixa de propaganda colocada na Estrada de Parelheiros informando sobre obras de asfaltamento na região, com as imagens da família do vereador Milton Leite (DEM). — Foto: Acervo Pessoal

Faixa de propaganda colocada na Estrada de Parelheiros informando sobre obras de asfaltamento na região, com as imagens da família do vereador Milton Leite (DEM). — Foto: Acervo Pessoal

Faixas pelo bairro

Embora as obras de asfaltamento no extremo sul estejam sendo feitas exclusivamente com recursos da prefeitura, e não de emendas parlamentares, faixas associando a pavimentação a Milton Leite foram espalhadas por dezenas de ruas do extremo-sul. Também aparecem nas propagadas o filho do vereador Alexandre Leite, que é deputado federal, e Milton Leite Filho, deputado estadual.

Essas faixas contêm a frase “Desculpem o transtorno, estamos trabalhando para melhorar o seu bairro”, ao lado da foto de Milton e dos filhos. A colocação de faixas desse tipo é proibida pela Lei Cidade Limpa e pode configurar campanha eleitoral antecipada.

O vereador negou que tenha pedido para colocar as faixas. Ele afirma que “alguém” fez isso sem a determinação dele. Por meio de nota, o parlamentar admite, porém, que tem forte atuação política nessas regiões e tenta corrigir injustiças que as áreas enfrentam na distribuição de recursos públicos.

"Parelheiros e M'Boi Mirim não são locais de minha influência política, e sim, de minha forte atuação política porque, historicamente, receberam os menores investimentos. Estas regiões possuem os menores índices de desenvolvimento humano (IDH) e, ao mesmo tempo, possuem as maiores áreas geográficas. Estes dados, por si só, justificam o investimento. Além disso, cabe ao mandato do vereador Milton Leite resgatar a injustiça feita ao longo do tempo na distribuição dos recursos", declarou a nota do vereador.

Em publicação nas redes sociais, o vereador fala das ruas asfaltadas em Parelheiros, apesar de negar que tenha colocado faixas nas ruas. — Foto: Reprodução/Facebook

Em publicação nas redes sociais, o vereador fala das ruas asfaltadas em Parelheiros, apesar de negar que tenha colocado faixas nas ruas. — Foto: Reprodução/Facebook

Peso político-eleitoral

Um dos políticos mais influentes da cidade, Milton Leite é vereador há 23 anos e presidiu a Câmara em 2017 e 2018, acumulando o cargo de vice-prefeito nesse período. O asfaltamento da região foi uma promessa de Milton aos eleitores do extremo-sul. A região também é reduto de Jilmar Tatto, pré-candidato ao PT e provável adversário de Covas no pleito municipal.

Marco Antônio Teixeira diz que o peso político-eleitoral, e não a discussão de políticas pública, que são determinantes nesse caso.

“Milton Leite e sua família fazem propaganda nos bairros como se eles estivessem entregando essas obras, como se fosse deles. A política, nesses casos, faz a diferença. Mas não é a política debatida publicamente, onde a população também é chamada a discutir quais são as prioridades. É a política em que o mais forte, do ponto de vista de representação eleitoral e do peso político, acaba definindo aquilo que é prioridade pública. E obviamente que essa definição de prioridade passa pela manutenção de seus redutos eleitorais e suas lealdades eleitorais para a formação de futuros projetos políticos.”

O urbanista Kazuo Nakano defende a retomada da discussão sobre o orçamento participativo. “Essa é uma proposta em que o Brasil é pioneiro. Começou na década de 90 e está meio abandonada hoje. É uma experiência mundialmente reconhecida pelo valor democrático. Precisamos retomá-la, aprofundá-la e aperfeiçoá-la usando as novas tecnologias, as novas formas de participação e organização da sociedade, e introduzir mais transparência no uso dos recursos públicos", explica.

O que diz a prefeitura

Questionada sobre a disparidade de recursos para as três subprefeituras, a gestão de Bruno Covas também afirmou, em nota, que a Zona Sul é a segunda região mais populosa da cidade e possui a maior extensão territorial, além de abrigar distritos que apresentam os piores IDHs da capital.

"A análise de uma única fonte do Orçamento da cidade de São Paulo resulta em conclusão equivocada e distorcida sobre a distribuição dos investimentos, em que pese a Zona Sul seja a segunda região mais populosa e a de maior extensão territorial, além de abrigar distritos que ainda permaneçam e apresentem os piores índices do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)", disse a nota da gestão municipal.

Sobre os investimentos em saúde, a prefeitura alega que, durante a pandemia, conseguiu antecipar a operação do Hospital da Brasilândia e montou dois hospitais de campanha (Anhembi e Pacaembu) “em tempo recorde”. A prefeitura informa, ainda, que retomou as obras de seis UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e que nas próximas semanas vai entregar 180 leitos para enfrentamento da Covid-19.

"Nas próximas semanas serão inaugurados novos leitos, tanto no Hospital Sorocabana, na região Oeste, com 60 leitos de enfermaria, e outros 120 na região da Avenida Brigadeiro Luís Antônio (Centro), em um espaço onde ficava uma área administrativa da Secretaria Municipal da Saúde", afirma a gestão municipal.

A assessoria do vereador Milton Leite declarou que ele e os filhos direcionaram R$ 20 milhões em emendas para o Hospital de Parelheiros.

"Os recursos para a saúde foram garantidos de diversas formas, inclusive pelos vereadores que cortaram parte dos seus salários para ajudar no combate à pandemia. As obras da UPA Parelheiros estão sendo retomadas, conforme anunciado pelo prefeito Bruno Covas no mês passado. Quanto ao Hospital de Parelheiros e toda a saúde na zona sul, eu e os deputados Alexandre Leite e Milton Leite Filho destinamos para combate à pandemia mais de R$ 20 milhões de reais. Entre emendas parlamentares e gestão junto aos órgãos competentes", disse a nota do vereador.

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