O custo da falta de saneamento
Se o Brasil não melhorar de maneira substancial os serviços de saneamento básico, todo o conjunto de ações de combate ao vírus zika em curso ou que vierem a ser tomadas não será suficiente para afastar o risco de surgimento de novos e graves problemas de saúde pública causados pelo mosquito Aedes aegypti – mesmo que essas medidas alcancem o resultado esperado. Em documento divulgado há dias, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que, para o combate eficaz ao vírus zika, os países que enfrentam o problema precisam melhorar o sistema de saneamento básico. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, estima que 95% dos casos de vírus zika, dengue e chikungunya – doenças que vêm causando grandes problemas no Brasil e em outros países – poderiam ser evitados se os governos das nações mais afetadas por eles tivessem adotado medidas ambientais adequadas.
Embora não tenha sido esse seu objetivo, a avaliação das duas organizações internacionais representa uma crítica direta à ação do governo brasileiro – e de outros países que enfrentam os problemas de saúde pública causados pelo Aedes aegypti – na área de saneamento básico. Promessas, programas, metas de universalização dos serviços essenciais têm sido frequentemente citados pelo governo Dilma Rousseff, mas os resultados práticos são pífios.
A ampliação da rede de abastecimento de água e da rede de coleta de esgotos e o aumento do volume de dejetos tratados antes de seu lançamento nos cursos d’água não têm ocorrido na velocidade necessária para que, como ainda promete o governo, a universalização dos serviços de saneamento básico seja alcançada em 2033. Se mantido o ritmo atual dos investimentos, essa meta só será atingida em 2054, mais de 20 anos depois do prazo anunciado pelo governo, segundo estudo divulgado há alguns meses pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Até lá, boa parte da população continuará convivendo com os problemas de saúde causados por falta de água corrente, lançamento de esgotos nas ruas sem tratamento e coleta inadequada de resíduos sólidos. As crianças são as vítimas preferenciais das más condições sanitárias em diversas regiões. Dados mais recentes indicam que 35 milhões de brasileiros não são atendidos por rede de abastecimento de água e metade da população não conta com serviço de coleta de esgoto, que por isso é lançado in natura no ambiente.
Escassez de recursos, legislação dispersa e às vezes conflitante, excesso de burocracia em razão da multiplicidade de órgãos que tratam do assunto, baixa qualidade dos projetos executivos estão entre os problemas mencionados há anos como causa do atraso dos programas de saneamento básico no País e que o Plano Nacional de Saneamento Básico não conseguiu resolver. O País paga o preço desse atraso.
“Podemos criar mosquitos estéreis ou utilizar ferramentas de internet para mapear dados dos vários quadrantes do mundo, mas não devemos esquecer de que, atualmente, há 100 milhões de pessoas na América Latina que ainda carecem de acesso a sistemas de coleta de esgotos e 70 milhões de pessoas não têm água encanada em seus terrenos ou em suas residências”, observou o relator das Nações Unidas para o Direito Humano à Água, o brasileiro Léo Heller, ao comentar o estudo da ONU.
Há, disse o funcionário da ONU, um forte vínculo entre o deficiente sistema de saneamento básico do País e a ação do vírus zika e o atual surto de dengue, febre amarela e chikungunya. Por isso, como observou o coordenador de Saúde Pública e Ambiente da OMS, Carlos Dora, referindo-se especificamente ao nosso país, medidas de emergência são necessárias, mas não bastam: “O Brasil está tomando ações de urgência adequadas para resolver o problema do zika, que é a fumigação, mas para atacar realmente essas doenças tem que investir em gestão de água e em saneamento”. Só assim se evitaria no longo prazo a proliferação do Aedes aegypti. O ESTADO DE SP