Queda de homicídios é puxada pelas 120 cidades mais violentas
BRASÍLIA — A redução da criminalidade nas 120 cidades que, segundo a edição 2019 do Atlas da Violência, concentravam metade dos homicídios dolosos no país impulsionou a queda da violência no ano passado. Dentro deste recorte específico — capitais e municípios grandes ou médios do interior, em sua maioria —, a diminuição dos casos de assassinatos entre 2018 e 2019 foi mais expressiva do que a verificada no conjunto do território nacional, puxando a média geral para baixo.
Esse grupo de 120 cidades registrou queda de 26,6% nos homicídios no ano passado, na comparação com 2018, de acordo com levantamento do GLOBO a partir de dados sobre os municípios tornados públicos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. No país inteiro, a redução foi de 21,9%. Os números compreendem os períodos de janeiro a setembro de 2018 e 2019. A pasta checa os dados recebidos de governos estaduais e prefeituras, por isso a divulgação não é imediata.
Entre as causas apontadas por quem estuda a fundo Segurança Pública, estão a melhor estrutura das polícias nas grandes cidades, uso de ações de inteligência para enfrentar o crime organizado e o fato de medidas de curto prazo ocasionarem impactos expressivos nesses locais.
De acordo com estimativas recentes do IBGE, 82,7 milhões de brasileiros vivem nesses 120 municípios. Entre janeiro e setembro do ano passado, essas cidades registraram 13.625 assassinatos, contra 18.070 no mesmo período de 2018. Já no país todo, o número caiu de 37.682 para 29.415.
O levantamento feito pelo GLOBO na base de dados do ministério compilou informações de 851 municípios, onde aconteceram 21.489 homicídios nos primeiros nove meses de 2019 — 73% do total. A tendência geral é de queda, mas os recortes mostram que o movimento varia de acordo com o porte da cidade. Nas capitais, a diminuição foi de 28,9%. Nas cidades com mais de 100 mil habitantes — grupo que também reúne todas as capitais —, a redução foi de 24,3%. Nos municípios que têm entre 50 mil e 100 mil habitantes, a queda foi de 21,6%, ligeiramente inferior à média nacional. Já nas cidades que têm entre 40 mil e 50 mil habitantes, a redução foi de 23,8%.
No caso específico das cidades mais populosas, uma das hipóteses para explicar a queda expressiva dos homicídios é que ações de curto prazo feitas pelo poder público têm maior impacto. Segundo o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, mudanças para alterar a dinâmica do crime no interior demandam políticas mais abrangentes:
— As cidades maiores são laboratórios de tudo o que acontece de bom e ruim na segurança pública. Isso mostra que o fenômeno está seguindo a tendência internacional de iniciar a queda onde há gordura para ser gasta, onde há espaço para fazer ações. Regiões menores exigem logística maior, intervenções de médio e longo prazo.
Somado a isso, aparatos mais robustos de segurança ajudam a fortalecer a diminuição dos crimes nas maiores cidades, aponta Lima:
— Estruturas policiais são maiores nas capitais e municípios maiores, e esses locais também concentram maior número de unidades especializadas de combate ao crime, como delegacias de homicídio.
TENDENCIAS
A redução dos homicídios no Brasil em 2019 é a continuação de um movimento que começou no ano anterior. Mesmo em 2017, que registrou um pico no número de mortes, 15 estados já haviam detectado melhora nos índices de violência. Especialistas sustentam que o declínio é consequência de uma soma de fatores que envolvem governos estaduais — responsáveis diretos pela área, de acordo com a Constituição —, prefeituras — que entram com ações sociais — e da União.
Um fator importante na diminuição dos índices é a tentativa de desarticular o crime organizado, por exemplo, isolando de chefes de facções em presídios federais. Para o diretor do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke, a redução dos conflitos entre grupos criminosos também influenciou a queda nos homicídios. Ele afirma que a preocupação agora deve se voltar para o sistema carcerário, para que a redução da criminalidade permaneça a longo prazo.
— Preocupa a sustentabilidade da queda, porque a bomba, que é a falta de qualidade do sistema prisional, continua aberta. Estamos vivendo um momento de diminuição, mas daqui a pouco isso pode mudar, porque não estamos atuando nesse sistema.
Fronteiras desafiam autoridades
O mapa dos homicídios pelas cidades do Brasil mostra que o combate à criminalidade nas fronteiras ainda é um desafio para a estrutura de segurança pública do país. Apesar de o conjunto de municípios vizinhos a outros países também registrar queda nos assassinatos entre 2018 e 2019, a redução é menor do que a média nacional. Um caso específico chama a atenção: em Ponta Porã (MS), na fronteira com Pedro Juan Caballero, no Paraguai, houve mais mortes no ano passado do que em 2018.
Nos 113 municípios limítrofes com dados disponíveis no sistema do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a queda nos homicídios foi de 17%. Já em Ponta Porã, o crescimento foi de 69% (32 assassinatos em 2018, contra 54 em 2019), segundo a Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul. O assassinato do traficante Jorge Rafaat, em 2016, em uma emboscada patrocinada por uma facção paulista, inaugurou um período de mais confrontos entre grupos criminosos. A cidade faz parte de uma disputada rota do tráfico de cocaína — a droga sai da Bolívia e passa pelo Paraguai antes de chegar ao Brasil.
Na semana passada, 75 presos fugiram de uma cadeia em Pedro Juan Caballero, sob suspeita de conivência da direção da penitenciária. Há no grupo integrantes da mesma facção de São Paulo.
— Essa briga por poder e pelo protagonismo das ações criminosas na região levou à escalada da violência. É um movimento de luta pela hegemonia nas ações criminosas — avalia o coordenador-geral de fronteiras do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Eduardo Bettini.
O superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, Cleo Mazzotti, explica que a configuração da região atrai grupos criminosos:
— É uma área de fronteira seca, sem obstáculos naturais ao trânsito de pessoas e produtos. O domínio do espaço é muito disputado em busca do lucro com tráfico de cocaína, maconha e contrabando de cigarro.
Os dados do município refletem, na opinião de Tito Machado, especialista em fronteiras e pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), a necessidade de comunicação entre as polícias dos dois países.
— Não dá para combater o crime em Ponta Porã como em outro canto. Há necessidade de número maior de agentes dos dois lados da fronteira, necessidade de treinamento específico — explica Machado, acrescentando que ações de segurança pública devem levar em conta a população das duas cidades, já que são muito próximas.
O Ministério da Justiça implementou, em meados de 2019, uma operação permanente nas fronteiras. Agentes estão hoje em oito estados, e a expectativa é que a atuação alcance os 11 estados de fronteira, além de outras quatro unidades da federação. O GLOBO