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No governo Dilma, comissão viu conflito de interesses em casos similares ao do chefe da Secom

Reynaldo Turollo Jr. / FOLHA DE SP
BRASÍLIA

No governo Dilma Rousseff (PT), a Comissão de Ética Pública da Presidência viu conflito de interesses em casos similares ao do chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social) de Jair Bolsonaro, Fabio Wajngarten, nos quais autoridades eram sócias de empresas que atuavam em setores ligados a suas áreas na administração pública.

A comissão fiscaliza a conduta de ministros, dirigentes de estatais e ocupantes de cargos de natureza especial, como Wajngarten. Os demais servidores federais são fiscalizados pela CGU (Controladoria-Geral da União).

Os casos são posteriores à edição da Lei do Conflito de Interesses (nº 12.813), de 2013 —ignorada por Wajngarten e a Secom em sua defesa até agora.

Como a Folha revelou na quarta-feira (15), ele tem 95% das cotas da FW Comunicação. Os 5% restantes estão no nome da mãe dele. 

A firma é contratada por TVs e agências de publicidade que são contratadas pela própria Secom do governo Bolsonaro.

A secretaria é responsável por distribuir a verba de propaganda do Planalto e ditar as regras de gastos de órgãos federais. Em 2019, foram R$ 197 milhões em campanhas.

Em 2015, Rebecca Garcia, ex-deputada pelo PP-AM, foi nomeada por Dilma para a Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus).

Provocada pelo MPF (Ministério Público Federal), a Comissão de Ética decidiu que Rebecca não podia chefiar a Suframa porque era sócia de empresas de parentes que recebiam subsídios da Zona Franca.

Para ficar no cargo, ela teve de abrir mão da participação societária e declarar formalmente seu impedimento para atuar em qualquer ato que envolvesse as empresas da família.

Especialistas ouvidos pela reportagem veem potencial enquadramento da situação de Wajngarten nas leis de conflito de interesses e de improbidade administrativa.

Bolsonaro disse na quinta-feira (16) que vai manter o secretário. "Se foi ilegal, a gente vê lá na frente", afirmou.

Em 2014, o então ministro da Saúde de Dilma, Arthur Chioro, esteve na mira da Comissão de Ética por ser dono de uma empresa de consultoria na área de saúde, a Consaúde. 

Inicialmente, ele havia passado suas cotas para o nome da esposa. A comissão só arquivou uma denúncia contra o ministro após ele comprovar que a empresa foi desativada.

O colegiado recomendou a Chioro "observar, em especial, que, na eventualidade da retomada das atividades da empresa Consaúde, evite a configuração de conflito de interesse tal como previsto" na lei nº 12.813.

Em 2013, também no governo Dilma, o então diretor de Gestão da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Elano Figueiredo, pediu demissão após a comissão recomendar sua exoneração por conflito de interesses.

Figueiredo foi acusado de omitir que, antes de assumir o cargo, tinha trabalhado para uma operadora de planos de saúde.

Em todos os episódios, os envolvidos negaram à época irregularidades.

Questionado pela Folha sobre se reportou à comissão os negócios de sua empresa com TVs e agências de publicidade, Wajngarten respondeu que "jamais foi questionado" a respeito.

Pela norma, ocupantes de altos cargos no Executivo federal devem entregar à comissão, em até dez dias, uma DCI (Declaração Confidencial de Informações). 

Procurado, o colegiado não informou se Wajngarten entregou a DCI. A comissão deve analisar o caso no próximo dia 28.

Ainda nesta sexta-feira (17), a líder da minoria na Câmara, Jandira Feghali (PC do B-RJ), ingressou com representação contra Wajngarten na Comissão de Ética. Ela pede ao colegiado para investigar se o secretário "não utilizou de informações privilegiadas". 

Da DCI devem constar, segundo a lei, "informações sobre situação patrimonial, participações societárias, atividades econômicas ou profissionais e indicação sobre a existência de cônjuge, companheiro ou parente [...] no exercício de atividades que possam suscitar conflito de interesses".

Wajngarten afirmou em nota, na quarta-feira, que "o mau jornalismo conduzido pela Folha de S.Paulo é evidenciado pelo desconhecimento proposital da legislação em vigor, que na lei 8.112/90 define as regras para o exercício de cargo público e seus impedimentos".

"A lei determina que ao ocupante de cargo público basta se afastar da administração [da empresa]", sustentou. Ele colocou na gestão da FW Fabio Liberman, irmão de Samy Liberman, nomeado depois secretário-adjunto da Secom.

Na nota, Wajngarten não mencionou a lei 12.813, que versa sobre o conflito de interesses.

Segundo o advogado Mauro Menezes, que integrou a Comissão de Ética por seis anos e chegou a presidi-la, os precedentes no colegiado apontam que, em casos similares ao de Wajngarten, não basta à autoridade se desligar da gestão da empresa.

"O que se quer evitar [com a Lei do Conflito de Interesses] é que o indivíduo entre na função pública e obtenha vantagem privada. Ele continuar nas duas pontas, ainda que de maneira velada, indireta, é algo que a lei deixa claro que a burla não impede que se configure [o conflito]", disse.

Dois trechos da lei podem se aplicar a situações como essa, segundo Menezes. 

O primeiro diz que configura conflito de interesses "exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público".

O segundo afirma que configura conflito "praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes [...], e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão".

Segundo o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto, especialista em direito administrativo, situações como a de Wajngarten devem ser analisadas à luz de outra lei, a de improbidade administrativa (nº 8.429), de 1992.

Ele destacou o inciso 8º do artigo 9º, segundo o qual constitui ato de improbidade "exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público".

O professor disse que, nesse caso, não importa se houve ou não algum tipo de favorecimento. "Se tiver favorecimento, aí estaremos no âmbito da Lei Anticorrupção."

O QUE FAZ A COMISSÃO

A Comissão de Ética Pública da Presidência fiscaliza a conduta de ministros, dirigentes de estatais e ocupantes de cargos de natureza especial. Os demais servidores federais são fiscalizados pela CGU

CASOS ANTERIORES

Elano Figueiredo, em 2013  Então diretor da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), pediu demissão depois que a comissão recomendou sua substituição. Ele foi acusado de omitir que, antes de assumir o cargo, tinha trabalhou para operadora de planos de saúde

Arthur Chioro, em 2014  O então ministro da Saúde de Dilma foi alvo da Comissão de Ética por ser dono de uma empresa de consultoria na área da saúde. As cotas tinham sido transferidas para sua mulher. Caso foi arquivado após Chioro comprovar que empresa foi tornada inativa

Rebecca Garcia, em 2015  Nomeada por Dilma para comandar Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manas), a ex-deputada (PP-AM) teve decisão desfavorável da comissão por ser sócia de empresas de parentes que recebiam subsídios da Zona Franca

Colaborou Angela Boldrini

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