Um pacote de alto risco - ISTOÉ
Após a aprovação da Reforma da Previdência, o governo correu para estabelecer uma agenda de reformas econômicas com o objetivo de destravar a economia.
O plano tem a cara do ministro da Economia, Paulo Guedes. Batizado de “Mais Brasil”, é superlativo e propõe transformar radicalmente o Estado — diminuindo seu peso e racionalizando os gastos públicos. Daí ter sido recebido com entusiasmo pelos empresários e economistas. Há muito tempo organismos internacionais apontam a dificuldade de crescimento nacional causada por um arcabouço institucional e regulatório atrasado, que favorece a irresponsabilidade fiscal e derruba a produtividade. Mas o pacote também sintetiza todas as dificuldades do atual ministro: mira o futuro com ambição, mas tropeça no curto prazo.
Tome-se uma das surpresas anunciadas na terça-feira 5. Em uma das três Propostas de Emenda Constitucionais (PECs) entregues ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), consta a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação menor que 10% da receita total. De uma só tacada, mais de mil cidades seriam afetadas. Uma ação perfeita para o raciocínio econômico, mas desastrosa para a lógica política. Tamanha alteração precisaria ser aprovada por dois quintos dos parlamentares das duas Casas do Congresso, em duas sessões. Porém, a agenda legislativa já começa a se voltar para as eleições municipais de 2020. É escassa a possibilidade de aprovação no horizonte próximo, inclusive porque essa modificação afetaria profundamente interesses políticos em mais de 20% dos municípios nacionais.
Mudanças na constituição
A alteração acima consta da chamada PEC do Pacto Federativo. Ela estabelece uma nova divisão dos recursos da União, estados e municípios — descentralizando o dinheiro, atualmente concentrado na esfera federal. Mais de R$ 400 bilhões seriam transferidos para os entes regionais nos próximos 15 anos. Além disso, ela diminui as verbas carimbadas — os chamados gastos obrigatórios — e restringe os reajustes automáticos. A parcela do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) destinada ao BNDES será reduzida de 40% par 14%. Essa é a principal fonte de recursos ao banco de fomento, e a diminuição muda na prática o papel da instituição como principal motor dos investimentos para a iniciativa privada. A unificação dos gastos mínimos para saúde e educação visa mais liberdade para os administradores destinarem verbas diante das realidades locais, e é um ponto positivo.
A chamada PEC emergencial propõe frear o crescimento dos gastos públicos. Prevê gatilhos para evitar que o governo descumpra as regras orçamentárias. Ataca um dos principais problemas atuais do governo: adequar os gastos à chamada regra de ouro. Essa norma impede que o Executivo tome dívidas para financiar despesas correntes. A solução foi criar um “shut down” tropical. Por meio dessa ferramenta, as jornadas dos servidores poderão ser reduzidas por até dois anos, com diminuição proporcional dos vencimentos. Como a medida abrangeria o funcionalismo em todos os Poderes, os chefes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo teriam a prerrogativa de aprovar a medida em suas esferas. Em caso de “emergência fiscal”, também seria possível o congelamento de promoções, reajustes salariais, a criação de cargos e os concursos. As medidas seriam acionadas quando a despesa corrente excedesse 95% da receita corrente, em um ano. Guedes quer estabelecer um novo regime de responsabilidade fiscal, 20 anos depois da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Fundos públicos
A terceira PEC reorganiza os 281 Fundos Públicos, que concentram cerca deR$ 220 bilhões. Criados para conectar recursos com destinos específicos, acabam concentrando um grande volume de dinheiro que muitas vezes fica parado por contingências específicas e legais. O dinheiro atualmente “empoçado” seria destinar para abater a dívida pública.
O conjunto de medidas eleva a confiança no ajuste fiscal em curso desde o governo Michel Temer. É uma importante sinalização após a aprovação da Reforma da Previdência, que afastou na prática o risco de insolvência nas contas públicas. Mas, pela sua extensão e profundidade, dificilmente vai se tornar realidade como o ministro previu. A mudança nas aposentadorias contou com o apoio decisivo do Centrão e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Agora, apesar Alcolumbre e Maia apoiarem as reformas, o cenário não será tão favorável.
A própria apresentação do plano deu pistas das dificuldades. Ficou de fora a chamada Reforma Administrativa, que reorganiza as carreiras do funcionalismo público, pois não houve acordo sobre o tema — ainda que o presidente Jair Bolsonaro tenha anunciado sua apresentação na próxima semana. Maia considera que essa discussão será difícil entre os parlamentares, sensíveis aos poderosos lobbies de servidores. Pior, acha que esse tema confunde as prioridades já estabelecidas na Casa. O presidente da Câmara elegeu desde o início do ano a Reforma Tributária como o próximo grande capítulo de mudanças econômicas. Já existem dois projetos adiantados no Congresso — um na Câmara, e outro no Senado. Guedes não o considera prioritário, pois acha que afetaria interesses estaduais e de setores econômicos. Pior, o ministro da Economia insistiu em um projeto próprio — que ressuscitava a extinta CPMF —, confrontando a vontade de Maia. Teve que abrir mão de sua própria reforma.
Leilões Frustrados
Outra medida anunciada pelo governo também antecipa um cenário mais turbulento. Na própria terça-feira 5, em ato de comemoração aos 300 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou o projeto de privatização da Eletrobras, por meio de uma medida provisória. Alcolumbre praticamente descartou sua aprovação apontando a resistência das bancadas do Norte e do Nordeste, resistentes à perda de controle das empresas estaduais e regionais de energia. Esses obstáculos vão se multiplicar nas três PECs apresentadas com pompa pelo presidente e pelo ministro da Economia.
O choque de realidade para Guedes e a equipe econômica pode acontecer mais cedo do que previsto. A semana começou com grande otimismo para o pacote pós-Previdência, mas acabou com a decepção causada pelos leilões do pré-sal. O de cessão onerosa, trombeteado como o maior leilão da indústria petrolífera no mundo, acabou frustrando a expectativa de arrecadação e não atraiu a iniciativa privada. Dos quatro blocos em disputa, apenas dois receberam ofertas — da Petrobras, um deles com a participação de 10% de duas estatais chinesas. Na quinta-feira 7, em novo certame, o governo vendeu apenas uma das cinco áreas do pré-sal oferecidas. De novo, a Petrobras e os chineses foram os únicos a oferecer lances. Rapidamente o dissabor foi atribuído ao modelo de exploração ofertado, de partilha, “concebido pelo PT”. Mas ele já era conhecido há mais de um ano. Os resultados fizeram o dólar subir e a bolsa cair, como a lembrar que as grandes ambições também embutem grandes riscos. Espera-se que não seja o destino do plano “Mais Brasil”.