24% dos municípios não avançaram em índice de qualidade da educação
Por Ana Carolina Moreno, G1
Criado em 2015 para ir além dos indicadores oficiais de aprendizagem dentro da sala de aula, o Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (IOEB) de 2019 mostra que, de 4.909 municípios avaliados, 1.191, ou 24% do total, não conseguiram avançar em relação ao patamar em que estavam nas edições anteriores.
O IOEB nacional, que varia de 0 a 10, evoluiu mais uma vez, ainda que siga sendo considerado baixo. A pontuação subiu de 4,65 para 4,71, e evidencia a desigualdade regional de condições para as crianças e adolescentes do Brasil: 71,6% dos municípios que ficaram abaixo da mediana estão concentrados no Nordeste e no Norte (veja no mapa abaixo).
Os dados, obtidos com exclusividade pelo G1, são calculados a cada dois anos. A edição mais recente foi divulgada na tarde desta quinta-feira (7) pela Comunidade Educativa Cedac, que desde o ano passado faz a gestão do indicador.
Segundo Tereza Perez, diretora-presidente da Cedac, a ideia por trás do IOEB é "explicitar os esforços que são feitos por toda a sociedade e pelo poder público para a aprendizagem, ao correlacionar as condições [de acesso à educação] e a aprendizagem".
Ela afirma que o índice não deve ser usado para ranquear cidades, mas serve como uma espécie de "IDH da educação", para municípios acompanharem sua própria evolução, e também como "um alarme" para que os estados olhem para os seus municípios e vejam onde eles têm que ajudar mais.
"E a União olhar para o país e pensar: ‘quais são os estados onde eu tenho que investir muito mais, para que todo mundo aprenda?’"
Mapa do Brasil mostra onde estão os municípios com Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (IOEB) 2019 abaixo da mediana de 4,7: 71,6% deles se concentram no Nordeste e no Norte — Foto: Ana Carolina Moreno/G1
O que é o IOEB?
- Batizado de Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (IOEB), é um indicador que considera não apenas o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), resultado de aprendizagem divulgado a cada dois anos pelo governo federal, mas também outras variáveis de acesso, como a oferta de vagas em creche e pré-escola, a formação de professores, a experiência dos diretores de escola e a quantidade e crianças e adolescentes que não estão matriculados na escola;
- O IOEB foi desenvolvido em 2015 por dois ex-funcionários do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Reynaldo Fernandes, ex-presidente do Inep, e Fabiana de Felicio, ex-diretora de estudos educacionais do Inep, também estão por trás da criação do próprio Ideb, além de outros indicadores;
- Ao contrário do Ideb, porém, o IOEB é calculado apenas no nível dos municípios e dos estados, e não está dividido por escolas, redes de ensino ou etapas. O objetivo é dar aos gestores ferramentas para que o governo federal, estadual e municipal trabalhem em regime de colaboração para melhorar o atendimento educacional de todos os moradores em idade escolar daquela cidade;
- Ele é calculado e divulgado a cada dois anos e, para um município entrar na avaliação, é preciso ter a nota da Prova Brasil divulgada pelo Inep. Em 2019, foram incluídos no indicador 4.909 municípios, sendo que 4.538 deles tiveram IOEB calculado em 2015, 2017 e 2019.
Estudantes do ensino médio da rede estadual de educação em Alagoas durante preparação para olimpíada de física — Foto: Divulgação/Ascom SEDUC
Avanços no Nordeste
Dos 4.909 municípios incluídos na edição deste ano do índice, 1.132 ou ficaram estagnados de 2017 para 2019, ou regrediram no IOEB. Outros 59 não tiveram índice calculado em 2017, mas não conseguiram avançar de 2015 para 2019.
Apesar da desigualdade regional apresentada principalmente no Nordeste, muitos municípios da região tiveram resultados positivos.
Considerando os demais 76% dos municípios com avanço, os dados mostram que 17 deles aumentaram pelo menos um ponto no seu índice. Desses, 16 são nordestinos. Já nos resultados médios estaduais, houve avanço em todos os 26 estados e no Distrito Federal.
Ao analisar uma série de fatores para compor o Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (IOEB), os pesquisadores buscaram isolar efeitos como o nível socioeconômico das famílias ou a inclusão apenas das crianças e adolescentes matriculados na escola — Foto: Ana Carolina Moreno/G1
Perez, da Cedac, destacou, por exemplo, o caso de Alagoas, que teve o maior avanço entre os estados brasileiros: 0,8 pontos.
"Alagoas está com IOEB abaixo da média, 4,5. Mas o esforço dele, a diferença que fez de 2015 para 2019 é 0,8. É um estado que está batalhando para melhorar as condições de aprendizagem das crianças", resumiu ela.
Equidade entre os municípios
Por outro lado, na comparação entre a equidade dos municípios de um mesmo estado, Alagoas tem a sexta maior desigualdade entre 24 estados analisados. Para chegar a essa lista, os especialistas da Cedac ordenaram os municípios de cada estado segundo seu IOEB e depois separaram os 10% com o melhor resultado e os 10% com o resultado mais baixo.
Então, uma média entre cada grupo foi feita e, a partir dela, foi possível verificar e comparar a distância entre o topo e o fim da lista.
A equidade, porém, não é um fenômeno restrito aos estados com índice mais baixo. O Ceará, que tem o quinto IOEB 2019 estadual mais alto e responde por cinco dos dez municípios com maior IOEB neste ano, também está entre os dez estados com maior desigualdade.
"Fica evidente que está avançando em alguns municípios, mas a distribuição ainda não está equitativa", explica Perez sobre exemplos como esse.
Do outro lado da tabela, São Paulo desponta como o estado mais equitativo: a média dos 10% de municípios paulistas com menor IOEB é 4,7, ou seja, está no mesmo patamar do IOEB nacional. E a dos 10% melhores é de 5,7. Veja abaixo a situação dos 24 estados que entraram na comparação:
Cedac calculou a média entre os municípios com maior e menor IOEB em cada estado para verificar a diferença entre o avanço regional — Foto: Ana Carolina Moreno/G1
Além dos limites Ideb
A especialista afirmou que, embora considerado "absolutamente essencial" para entender a qualidade das escolas e das redes de ensino, o Ideb não dá conta de uma série de fatores.
"Foi um índice fundamental porque explicitou todas as carências que a gente tem de aprendizagem", explicou Tereza Perez. "Mas o Ideb, ao medir as aprendizagens das crianças e adolescentes, coloca muito foco na leitura, matemática e no fluxo. Ele reduz a educação a esses três elementos."
Esse foco acabou tendo dois efeitos, segundo ela: um fluxo de aprovação "quase que automática" de alunos, mesmo que eles não estivessem prontos para avançar, e a concentração dos esforços em sala de aula para ensinar apenas o conteúdo pedido na Prova Brasil, usada para calcular o Ideb.
Uma consequência de ambos foi o aumento da evasão de alunos sem o aprendizado adequado. "Isso vai desembocar lá no fundamental 2, na evasão. O jovem foi expulso da escola, depois vai para a Educação de Jovens e Adultos (EJA)", afirmou ela.
"Mexeu no fluxo. Depois pegou a aprendizagem como uma questão forte. O que a gente vê é que em muitos municípios você tem o foco nos descritores da Prova Brasil como o que tem que ensinar, porque os alunos têm que ir bem, porque politicamente isso é muito forte."
No IOEB, o Ideb inclusive passa por um "ajuste" para dar um peso maior ao nível socioeconômico das famílias dos estudantes. "A gente sabe que a aprendizagem é fruto do background familiar também. O IOEB procura nivelar mesmo, deixar como se todo mundo tivesse o mesmo nível socioeconômico, via escolaridade da família, não renda", disse.
Metodologias e intencionalidade
Segundo Perez, o IOEB é um dos indicadores "extraoficiais" que surgiram depois do Ideb para "apresentar um pouco dessa complexidade", e também segue a mesma linha por trás da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabeleceu parâmetros para escolas e redes elaborarem seus currículos em conjunto, e não pensarem apenas em seus próprios resultados nas avaliações do Inep.
"Ele é um índice que abre essas possibilidades de reflexão, mas ele não se basta. O IOEB precisa ser visto junto com o Ideb e, principalmente, junto com o IdEA", disse Perez sobre o Indicador de Desigualdades e Aprendizagens, lançado neste ano pelo professor Francisco Soares, que também foi presidente do Inep.
"[O IdEA] coloca as desigualdades socioeconômicas, diferenças de aprendizagem entre negros, brancos e indígenas. Evidencia aspectos que são fundamentais na educação, que ocorrem dentro da sala de aula."
A tendência atual, na opinião da diretora-presidente da Cedac, é superar o foco nas avaliações e na tecnologia, e pensar em como as metodologias, o planejamento e o que ela chama de "intencionalidade" podem ter um impacto positivo no aumento da qualidade da educação.
Segundo ela, a intencionalidade passa pelos gestores, diretores de escola e professores se alinharem desde o planejamento, e não só focarem em melhorar esse ou aquele recurso para ver os pontos subirem nos indicadores.
Tereza Perez compara esse processo a um "armário bem bonito", numa escola, cheio de livros jogados dentro. "Ali você tem toda a condição: tem o armário, tem os livros. Só não tem a intenção de que alguém leia esses livros. Se você tiver o armário com todos os livros organizados, que as crianças tenham acesso, que saibam ir lá buscar, por que estão buscando, se é do interesse delas. Aí você tem a intencionalidade."