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Outra vez, as ruas - ALBERTO AGGIO

Estamos na vigília de mais uma manifestação de protesto, convocada nacionalmente. Um fato que se tornou comum nos últimos anos. Ainda se mantêm vivas na memória as de 2013 e de 2015. Registre-se, de saída, que elas não foram idênticas em seus propósitos, personagens ou resultados, mas guardam muitas relações entre si e nos deixaram várias lições. Foram manifestações multitudinárias que ganharam ruas e praças, das metrópoles às pequenas cidades. Mobilizadas pelas redes sociais, seus convocadores não vieram das representações tradicionais da sociedade. Derivavam de movimentos e grupos sociais diferenciados que buscavam uma pauta comum, ainda hoje irrealizada em inúmeras de suas demandas. Olhar esses dois momentos sem a adoção de uma contraposição abstrata entre eles pode ajudar-nos a compreender o que está programado para os próximos dias.

Em junho de 2013, as manifestações agitaram especialmente as metrópoles. No Rio de Janeiro foram mais de 1 milhão de pessoas. Caracterizaram-se como “jornadas de protesto” convocadas quase que diariamente. Demonstraram intensidade notável, porém duraram pouco: depois de dois meses esmoreceram. Elas apresentaram um aspecto antagonista e de confronto com os poderes instituídos. Algumas manifestações foram reprimidas pela PM e depois, aos poucos, a tática black bloc, com sua violência costumeira, se impôs, resultando em desmobilização. Embora tenham conquistado vitórias parciais, o fato mais importante foi o de terem dado vazão a um descontentamento latente. Seu impacto, contudo, foi tão forte que alterou o andamento normal do mundo político, embora não tenham produzido uma pauta clara que pudesse ser negociada politicamente. Feriram de maneira contundente o poder central, impondo uma queda temporária na popularidade da presidente Dilma Rousseff. Mesmo com toda a sua vitalidade, o movimento não conseguiu tornar-se um fator de poder com capacidade de pôr a legitimidade do governo em xeque.

As jornadas de junho de 2013 foram difusas, plurais e republicanas na defesa da ética na política. Seu maior legado foi o de explicitar uma demanda pela qualidade de vida das pessoas, identificada com a melhoria dos serviços públicos voltados para mobilidade urbana, saúde, educação, saneamento básico, etc., ou seja, um conjunto de problemas que apontavam claramente os déficits sociais dos governos petistas. Visto de outro ângulo, 2013 nos deu também um retrato da sociedade brasileira até então pouco considerado. Em plena rua, o que se viu foram pessoas expondo seus ardentes desejos libertários e igualitários, às vezes com humor e irreverência; 2013 propôs uma nova maneira de se manifestar, agrupar e dar sentido ao pertencimento das pessoas, mesmo que isso fosse efêmero.

Não havia uma palavra de ordem obrigatória a cada passeata, que variara de lugar para lugar, e mesmo no interior de uma manifestação, que podia começar e se dividir em duas ou mais torrentes de pessoas. As jornadas de 2013 podem ser inscritas no que G. Lipovetsky chama de hipermodernidade, um terreno no qual flui uma cultura desconfiada do político que faz dos direitos humanos o “fundamento último e universal da vida em sociedade”, reconhecendo o indivíduo como “um referencial absoluto, última bússola moral, jurídica e política” de um tempo em que os atores sociais não se veem mais representados nas “antigas formas de inclusão coletiva”.

Em 2015 as manifestações viveram um ciclo mais curto, ainda que tenham sido mais massivas. Em 15 de março, a Avenida Paulista concentrou mais de 1 milhão de pessoas. Eventos similares ocorreram em outras capitais e cidades médias, atingindo a marca de aproximadamente 2 milhões de pessoas. Cerca de um mês depois, o movimento se expandiu por mais de 400 cidades médias e pequenas ao longo do País. Os resultados eleitorais de 2014, que deram a Dilma Rousseff um segundo mandato, bem como suas primeiras medidas, entendidas pelo conjunto da população como um “estelionato eleitoral”, atuaram como catalisadores das manifestações.

Neste novo cenário, as manifestações passaram a ser abertamente antigovernamentais e de oposição ao governo federal, expressando descontentamento e muita hostilidade imagética e verbal contra a presidente reeleita e seu partido, o PT. Além do protagonismo das redes sociais e da vazão de diversas subjetividades, em 2015 aquele aspecto difuso das jornadas de 2013 seria superado por um objetivo mais definido, sintetizado na consigna “Fora Dilma, Fora PT”.

Agregando inúmeras insatisfações e demandas que brotaram em 2013, mas assumindo um estilo de protesto distinto, o que se viu em 2015 foi a emergência de um movimento legítimo de oposição ao governo federal que, embora não inteiramente consensual entre suas lideranças, abraçou a bandeira do impeachment da presidente como sua causa central.

Agora, juntamente com tudo isso, o impeachment volta à rua, bloqueado que está no Congresso, em meio à barafunda das reviravoltas impostas pelos presidentes da Câmara e do Senado, ambos implicados em denúncias de corrupção que assolam o governo que as ruas querem substituir democrática e constitucionalmente.

Em 2013 e 2015 as ruas movimentaram o País e o mundo político teve de acordar da letargia. O que comprova mais uma vez as palavras do velho Ulysses Guimarães, que vaticinava: “A única coisa que mete medo em político é o povo na rua!”.

O “otimismo da vontade” indica que sobram razões para ir à rua, especialmente quando se trata de superar um governo que tem sua legitimidade manchada pela corrupção e se mostra incapaz de reaver sua credibilidade para enfrentar a crise. O “pessimismo da inteligência” nos alerta que o País precisa se reorganizar e buscar reformas que tornem o Estado mais republicano, aberto à participação e mais eficiente.

*ALBERTO AGGIO É HISTORIADOR E PROFESSOR TITULAR DA UNESP / O ESTADO DE SP

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