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Expectativa de ajuda federal leva estados a descuidarem de suas finanças

Não pode haver incentivo maior para o mau comportamento fiscal dos estados — um problema crônico dessa nossa República —, que a percepção de que a União vai sempre lhes salvar. Na presença de uma rede de proteção, o trapezista ficará tentado a executar manobras cada vez mais arriscadas, pois a queda não traz consequência. Segue-se, então, que a existência da rede provoca mais risco ou mais displicência. Ou ambos.

 

Um agravante para isso é o exemplo negativo: por que um governador haveria de fazer tudo direitinho, confrontar as corporações, defender o contribuinte e manter suas contas equilibradas quando o estado vizinho faz tudo ao contrário e, ao final, consegue fechar suas contas em Brasília?

 

Essas situações se tornam particularmente difíceis, observadas do ângulo do governo, quando a malandragem prejudica pessoas inocentes. Os governadores irresponsáveis, ao criarem despesas além de suas possibilidades, acabam incapazes de pagar salários em dia, por exemplo, e com isso fazem seus funcionários de reféns. Sim, exatamente como num sequestro, e se o governo federal não paga o resgate, acaba se tornando o responsável pelo sofrimento de gente que não tem nada com o problema.

 

Não há nada de simples em o governo federal punir o mau comportamento do ente federativo sem criar aflições adicionais para as vítimas. Um mecanismo essencial para resolver o problema é o que permite que o governo federal seja o primeiro da fila ao receber dos estados se eles deixam de pagar os juros sobre sua dívida. Com isso, a irresponsabilidade do governador resulta em prejudicar o funcionalismo, os pensionistas e os hospitais, portanto, pedaladas e piruetas fiscais resultam em ônus político para o governador, o criador da encrenca. Se a responsabilidade não cabe ao responsável, ponderaria Odorico Paraguaçu, temos um problema estrutural em nosso ordenamento.

 

Quando a União não é forçada a aceitar o inadimplemento dos estados, ou seja, quando é capaz de utilizar a prerrogativa contratual de colocar a mão na receita própria dos estados para se ressarcir, deixa de haver rede de proteção e fica muito diminuído o incentivo à imprudência.

 

Se, todavia, uma liminar do STF impede a União de executar sua garantia, os incentivos para a responsabilidade fiscal ficam destruídos, pois os estados vão fazer o que sempre fizeram, ou seja, quebrar em cima da União. A intervenção do STF nesse assunto, com o intuito de proteger os inocentes, é uma péssima ideia que produz o efeito exatamente contrário, premia o indisciplinado e deteriora um bem maior, o equilíbrio das finanças públicas.

 

É complexa a alternativa de “deixar quebrar”, muito melhor é não chegar nessa situação. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) procurou enfrentar o problema através de vários mecanismos de prevenção, alarmes e limites, mas, sobretudo, ao escrever na lei que nunca mais ia haver outro salvamento. Isso era fundamental para evitar o incentivo à repetição do mau comportamento, pois a LRF veio logo depois de várias rodadas de refinanciamento de dívidas dos estados.

 

Porém, o terremoto fiscal produzido por Dilma Rousseff e sua “nova matriz” contaminou alguns estados, alguns inclusive indo bem mais fundo nesse caminho insensato. Não podendo se endividar formalmente, esses estados começaram a desonrar compromissos e acumular “atrasados” crescentes nas mais variadas rubricas (funcionalismo, inativos, fornecedores etc.). O arcabouço para prevenir desastres tão cuidadosamente montado a partir da LRF foi destruído por uma única ameaça imprevista: o mau exemplo de Brasília. Se o governo federal pedala e descumpre limites, por que os estados vão obedecer?

 

Uma nova rodada de programas de ajustes com os estados deverá acontecer. A punição pelo mau comportamento deve ser o título do filme, que deve ter nos papéis principais o governador que criou a confusão e os que o ajudaram, incluindo os Tribunais de Contas locais. Num papel coadjuvante, mas fundamental, a União deve dar o exemplo, arrumando suas contas com a maior velocidade possível.

 

GUSTAVO FRANCO / O GLOBO

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