Entenda como mudança no salário mínimo pode poupar R$ 330 bi ao governo em dez anos
Estimativa da equipe de Paulo Guedes é usada em discussões internas sobre mudanças na Previdência — Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, calcula que a eventual decisão do governo de passar a corrigir o salário mínimo apenas pela inflação tem potencial de gerar uma economia para os cofres públicos de cerca de R$ 330 bilhões em uma década.
A estimativa, à qual a BBC News Brasil teve acesso, é usada em discussões internas da área econômica do governo Jair Bolsonaro sobre as possíveis mudanças na Previdência Social.
Para chegar ao número, economistas do governo calcularam os gastos com pagamento de aposentadoria e pensão caso o presidente Jair Bolsonaro decida corrigir o salário mínimo apenas pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
Eles compararam essa projeção com a estimativa do que seria gasto caso o governo optasse pela continuidade da política de valorização do salário mínimo que está hoje em vigor. Ela prevê o reajuste de acordo com o PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes mais a inflação do ano anterior.
O aumento do salário mínimo tem grande impacto nas contas públicas devido à vinculação com o piso previdenciário, prevista na Constituição. Assim, cada vez que sobe o salário mínimo, o governo precisa atualizar o valor pago aos aposentados e pensionistas.
Mais da metade dos benefícios pagos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) corresponde a esse piso. De acordo com o dado mais recente disponível, 22,5 milhões de pessoas recebem esse valor, o que representa 65% dos benefícios.
As aposentadorias e pensões com valores superiores ao salário mínimo hoje já são reajustados pelo INPC, que ficou em 3,43% no ano passado.
Governo Bolsonaro precisará decidir neste ano como vai reajustar salário mínimo a partir de 2020 — Foto: EVARISTO SA/AFP/GETTY IMAGES
Nova regra para o salário mínimo
O governo Bolsonaro terá de decidir neste ano como vai reajustar o salário mínimo a partir de 2020, já que termina a validade da regra atual, negociada pelas centrais sindicais ainda no governo Lula, adotada por volta de 2008 e formalizada em lei no governo Dilma Rousseff.
Ainda não há uma definição sobre o tema no novo governo e integrantes da área econômica reconhecem que, diante da controvérsia que o assunto pode gerar, a decisão final caberá a Bolsonaro.
Mesmo assim, quem participa das discussões sobre o tema diz considerar o mais provável dos cenários, até o momento, o reajuste do salário mínimo apenas pela inflação - ou seja, sem crescimento real.
A nova regra afetará de forma direta pelo menos 48 milhões de brasileiros, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Essa é a quantidade de pessoas que têm a renda referenciada no mínimo, seja porque esta é a remuneração deles ou porque recebem aposentadoria ou pensão do INSS.
O economista José Ronaldo Souza Júnior, diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea, diz que é necessário levar em conta a necessidade de conter o crescimento das despesas do governo.
"Temos que pensar na política de reajuste do salário mínimo dependendo do momento histórico. Em determinado momento, fazia sentido e havia capacidade de aumentá-lo, era política que reduzia pobreza e desigualdade. À medida que o salário mínimo foi aumentando e não teve correspondência em termos de aumento de produtividade, é preciso rever", disse.
O especialista em economia do trabalho Carlos Alberto Ramos, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), destaca que, no Brasil, a discussão em relação ao salário mínimo não está baseada no impacto no mercado de trabalho, e sim nos gastos públicos.
"Enquanto em outros países a discussão do vínculo entre salário mínimo e pobreza se dá pelo impacto desse piso no mercado de trabalho, no Brasil o salário mínimo impacta a pobreza por meio do aumento dos benefícios", disse Ramos.
Desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo deve sofrer resistência no Congresso, diz analista — Foto: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL
Vínculo com a Previdência
Embora integrantes da área econômica defendam, em teoria, a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo, a avaliação hoje é que seria difícil para o governo bancar politicamente a medida. A alteração precisaria de uma mudança na Constituição.
O argumento de defensores da desvinculação é que ela teria efeito nas contas públicas tanto no curto quanto no longo prazo, enquanto outras medidas têm efeitos mais pontuais.
"As pessoas que estão na equipe econômica do governo, pelo que escreveram antes, têm tendência a desvincular o salário mínimo da Previdência. Mas isso vai ter uma forte restrição na área política, no Congresso. Não é algo que passe fácil", diz Ramos.
Especialista em economia do trabalho, ele aponta que a desvinculação, por um lado, permite aumentar o salário mínimo "de forma mais ativa do que é hoje", mas chama a medida de "perigosa" do ponto de vista social.
"Desvincular é perigoso. Desvincular sem prever uma nova regra é ainda mais perigoso, porque aí [o reajuste] fica sujeito a demagogias, como aumentar em período eleitoral."
Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho ainda não havia se pronunciado sobre o tema até a última atualização desta reportagem. PORTAL G1