Estudo avalia erros de concepção do Minha Casa Minha Vida
Dez anos depois de lançado, o projeto Minha Casa Minha Vida registra recordes históricos de construção de habitações populares no país, mas repete erros de concepção que aumentam custos e problemas urbanos, aponta estudo do Instituto Escolhas, ligado ao Insper, apresentado na terça-feira (22) no seminário Moradia e Expansão das Metrópoles Brasileiras.
Um dos maiores senões é a localização dos empreendimentos em áreas distantes dos centros urbanos, onde há menos oferta de emprego e de serviços públicos e índices mais baixos de desenvolvimento humano.
Além dos custos diretos exigidos para a implantação de uma infraestrutura básica nesses locais, o relatório elenca outros ônus para os cofres públicos ou para os beneficiários, como o tempo (e o desgaste) de deslocamento para destinos diários, a poluição decorrente da demanda por transportes, a má qualidade da oferta dos serviços de saúde, educação e segurança.
Criado em 2009, o MCMV era parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conjunto de medidas do governo federal para incentivar a geração de empregos e evitar os efeitos recessivos da crise mundial iniciada nos EUA, em 2008.
Até 2016 (data usada no estudo), o país investiu cerca de US$ 100 bilhões (R$ 3,76 bilhões), que resultaram em 4,4 milhões de unidades habitacionais e beneficiaram perto de 20 milhões de pessoas. O número obtido em sete anos corresponde a toda a produção de moradia popular no país durante a ditadura (de 1964 a 1986).
Para entender o impacto do MCMV nas grandes cidades brasileiras, o estudo identificou a localização dos conjuntos em relação às áreas já ocupadas das regiões metropolitanas. Os empreendimentos foram classificados em três categorias, conforme termos técnicos em inglês: aqueles que ficam dentro de uma área urbana com todos os serviços públicos existentes (“infill”); os localizados nas margens das cidades, pouco ocupadas mas já urbanizadas (“extension”); construções feitas fora do tecido urbano, em áreas não ocupadas, sem infraestrutura (“leapfrog”, salto de sapo).
Os resultados sugerem que o MCMV tem contribuído para provocar saltos urbanos (“leapfrog”), a ocupação de espaços além da margem da mancha urbana, locais em geral carentes de provisão de serviços e de infraestrutura, afirmam os autores.
“Na melhor das hipóteses, o programa manteve as famílias de classe baixa na mesma localização relativa que tinham anteriormente”, diz o estudo, realizado por uma equipe de pesquisadores liderada por Ciro Biderman, professor da Fundação Getúlio Vargas que foi chefe de gabinete da SPTrans e diretor de Inovação da Prefeitura de São Paulo na gestão de Fernando Haddad (2013-2016).
Para os autores, é provável que a maior parte dos beneficiários tenha piorado sua localização nas metrópoles e o acesso à infraestrutura. O impacto sobre a geração de emprego foi marginal e limitado ao período de construção.
O relatório faz um estudo de caso para comparação dos custos entre conjuntos próximos e distantes dos grandes centros urbanos. Para tanto, foram escolhidos dois projetos da Grande São Paulo: o Gema, em Diadema (região do ABCD), e o Pau D’alho, em Guararema, na região metropolitana (79 km a leste de São Paulo).
Em Guararema, o metro quadrado de terreno custou R$ 11,44, e cada apartamento, R$ 1.665/m2; em Diadema, esses valores saltaram respectivamente para R$ 110/m2 e R$ 2.225/m2. Nos dois casos, o custo de construção foi praticamente igual, em torno de R$ 1.500/m2 de área construída. Ou seja, o custo mais baixo no conjunto de Guararema se devia ao preço menor da terra, por ser longe do centro metropolitano.
Dois fatores explicam a semelhança do custo da obra em si nos diferentes locais: as concorrências para escolha dos projetos tinham exigências “frouxas” quanto à localização e à oferta de infraestrutura urbana e, ao mesmo tempo, descrições minuciosas sobre as características da construção.
“A vencedora será sempre a que tiver o menor preço. A maneira de reduzir esse preço é a localização periférica em solo sem serviços. Então, o arranjo institucional em certa medida permite que não se avance na superação de duas variáveis cruciais na precariedade: a localização na cidade e a oferta de serviços públicos”, afirma o relatório.
Segundo os autores, o resultado é “desolador”, mas, apesar disso, a “mensagem final não é de pessimismo”. É possível produzir um programa melhor desde que sua realização não economize no custo dos terrenos nem aposte na grande quantidade de unidades em cada empreendimento (o que cria guetos e potencializa os problemas sociais).
O relatório conclui que o MCMV cometeu os dois defeitos, mas afirma que, se as regras forem alteradas, o programa pode juntar os benefícios da maior oferta de habitação popular à qualidade de vida de seus usuários.
BARATO FICA MAIS CARO
A economia que o poder público faz no curto prazo, ao construir habitação popular em áreas distantes e sem infraestrutura, acaba por provocar custos maiores. Como sabem os urbanistas, no longo prazo é mais barato construir casas populares no centro da cidade do que na periferia.
Os poucos anos de existência do MCMV ainda não permitem fechar uma conta, mas é possível calcular os gastos acumulados dos grandes projetos habitacionais semelhantes construídos durante o regime militar.
É o caso de Cidade Tiradentes (zona leste, a 30 km da praça da Sé). Inaugurado em 1984, o local concentra hoje cerca de 230 mil habitantes, mas o número de empregos ainda gira em torno de 5.000. Seus moradores têm que se deslocar por até duas horas até a área central de São Paulo, onde há mais ofertas de trabalho.
No início dos anos 1980, a região não dispunha de infraestrutura urbana, e o custo da terra era muito inferior ao de outras áreas mais bem servidas. A partir da implantação dos conjuntos habitacionais da Cohab paulistana, todos os serviços públicos tiveram que ser implantados, saindo do zero.
Cálculos feitos pela Secretaria Municipal de Habitação, em 2012, com os custos reais dos investimentos em infraestrutura ao longo de 25 anos (1984-2009), mostraram que a terra barata resultou em uma economia imediata de 35% em relação a uma moradia idêntica na região da Sé. Se um apartamento na área central custasse na época hipotéticos 100 mil dinheiros, o de Cidade Tiradentes ficava pronto por 65 mil.
Mas, após um quarto de século, os gastos indiretos decorrentes da construção de escolas, hospitais, postos de saúde, terminal de ônibus, rede de esgoto etc. levaram o imóvel de Cidade Tiradentes a custar aos cofres públicos 10% a mais do que o imóvel na Sé —sem considerar o subsídio embutido nas tarifas de transporte público, que são iguais em toda a cidade, mas custam mais para os longos trajetos até a periferia). E os números seguem crescendo com o tempo. FOLHA DE SP