Governo Bolsonaro já deu errado, mas pode sobreviver a si mesmo
O governo Bolsonaro vai dar certo? Não. Mas seria um erro concluir, a partir dessa resposta, que vai ser necessariamente malsucedido. Estamos falando de esferas distintas da experiência pública.
Um liberal considera que um governo é eficiente quando consegue melhorar a vida da população, otimizando os recursos disponíveis, transferindo mais responsabilidades à sociedade, domando o Estado para que este regule as relações de troca, de modo a que esse ente estatal corrija, por meio da igualdade perante leis democráticas, o que desigualaram as circunstâncias que não foram escolhidas pelos indivíduos: em alguns casos, é preciso controlar os apetites; em outros, compensar as inapetências.
Pareceu excesso de abstração? Um liberal acredita, em suma, que o palavrório da política é o melhor instrumento para manter e aprimorar o pacto civilizatório que nos leva a uma concordância entre desiguais sobre o método de discordar.
“Um petista ou um bolsonarista não teriam dificuldade em adotar essa divisa, Reinaldo”. Pois é... Ocorre que a minha formulação repudia a vocação missionária e o horizonte disruptivo, sem o qual essas forças perdem razão de ser. Essa definição de eficiência é avessa à tentação da hegemonia.
Governos não devem se estabelecer, nas democracias, para colonizar consciências, de sorte que sua eficácia, no fim das contas, seja medida pela depauperação das forças que se opõem a seu projeto ou a suas ações.
Lula e os petistas sabem que boa parte dos crimes cometidos pelo PT se deveu à determinação de usar um sistema poroso à corrupção para comprar partidos e políticos. O objetivo era aniquilar a oposição ou reduzi-la à caricatura.
Não deu certo. Mas quem há de negar que o petismo foi bem-sucedido durante um largo período? E o ciclo estava destinado a ter duração muito mais longa se a tentação disruptiva não tivesse atingido também a matemática. A morte do projeto hegemônico se deu nas jornadas de 2013. E os petistas ainda tentaram liderar, basta recuperar a crônica do período, o berreiro contra o establishment, ignorando qual era seu papel no teatro de operações.
A Lei 12.850, obra inequívoca do governo Dilma, é de agosto daquele ano. Pôs o ovo da Lava Jato e instituiu Sua Excelência o Delator como o condutor dos nossos destinos. A ironia, velha dama de companhia da história, fez com que o PT criasse o marco legal que iria conduzir o partido à deposição.
Aquele essencialismo que havia se alevantado em 2013 contra a política, os políticos e “tudo isso daí” ganhava corpo, rosto, expressão. Surgia o Leviatã de Toga, para o qual boa parte da imprensa passou a fazer assessoria sob o manto de jornalismo investigativo. O monstro se apresentou para ser o lobo do lobo. Apontei precocemente, convenham, tal disposição aqui e em toda parte, o que me rendeu não poucos dissabores.
Voltemos ao ponto de partida. Dados os critérios aqui estabelecidos, o arranjo não dará certo porque nem mesmo haverá um governo. Três partidos —o da Polícia, o de Chicago e o da Caserna— disputarão a primazia de conduzir o Estado, enquanto o chefe caça cavalos de Troia em provas do Enem, vigia os meninos para que não brinquem com bonecas nem façam esquisitices com os primos, vitupera contra Cuba, faz sinal de arma com os dedos e pendura roupas no varal.
Mas cabe a pergunta: se a economia tiver um desempenho ao menos medíocre, é preciso muito mais do que isso para manter o poder?
O ódio à política eliminou os espaços de interlocução de contrários e ocupou o território da contestação ao establishment, que perdeu os marcos de economia política para se expressar como moralismo estridente. Não se deve cometer o erro de achar que Bolsonaro acabará se acomodando ao molde institucional, que está, de resto, avariado.
O político só existe como tal, com a sua estupefaciente soma de inabilidades, porque se apresenta como o homem comum, excluído pelo sistema. O poderoso continuará a ambicionar o lugar da vítima vingadora. Os marcos do Estado democrático e de Direito continuarão a ser seus alvos. E conta, para tanto, com Sergio Moro como seu “sniper”.
“Mas o que fazer, Reinaldo?” Depende. Você quer o quê?
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Este colunista vai descansar um pouco. Volto no dia 18 de janeiro. Escolha o seu sonho.