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PAC: além de obras inacabadas, abandono põe em xeque melhorias em favelas do Rio

RIO — Linha férrea elevada e, embaixo dela, uma área de lazer que integrava um ambicioso plano de transformar a região que ficou conhecida como Faixa de Gaza. Num país de muitas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) incompletas, essa especificamente — ao longo da Avenida Leopoldo Bulhões, no Complexo de Manguinhos — ficou pronta. Mas, largada ao léu pelo poder público, não livrou seu entorno do medo, nem proporcionou um ambiente melhor para se viver. Às margens da via, que chegou a ser chamada de Rambla de Manguinhos, em referência ao famoso calçadão de Barcelona, multiplicam-se casas de alvenaria e de madeira. Barracos ocupam, inclusive, a praça sob a estação de trem da comunidade. E o movimento do tráfico de drogas corre livremente.

 

Perto do fim do ciclo de governos que implantaram o PAC, Manguinhos não é o único símbolo do abandono do programa. A situação se repete na Rocinha e no Alemão, onde parte das intervenções nem saiu do papel. Desde 2007, 18 favelas ou conjuntos de comunidades receberam 23 projetos de “urbanização de assentamentos precários”. Os investimentos previstos superavam os R$ 2,1 bilhões. Mas, no último balanço, referente a junho deste ano, 12 dessas ações ainda constavam como “em obras”.

O termo é quase um eufemismo para dizer que as obras estão inacabadas, uma vez que estado e município, executores dos serviços, informam não existir intervenção alguma em andamento. O Ministério das Cidades, por sua vez, sequer se pronunciou, apesar de procurado desde a última terça.

Enquanto isso, no Complexo do Alemão, o teleférico de R$ 253 milhões está parado há mais de dois anos. Virou um ícone negativo do que foi concluído, mas não funciona. O conjunto de comunidades coleciona ainda promessas sem perspectivas de se concretizarem. Casas desapropriadas para obras de saneamento e de alargamento de ruas voltaram a ser ocupadas, já que muitas intervenções fizeram água.

Presidente da Associação de Moradores da Favela Nova Brasília, Marcos Valério Alves, o Marquinhos Pepé, enumera outras expectativas que ficaram na promessa. Ele cita a urbanização próxima à estação do teleférico no Morro do Alemão e nas comunidades do Capão e das Palmeiras. Contenções de encostas também não foram concluídas. Uma área de lazer na Alvorada não foi feita. Creches e uma escola técnica no Caic Theophilo de Souza Pinto tampouco viraram realidade. Para muitos moradores, diz ele, o PAC terminou em frustração.

— Há famílias que há dez anos recebem aluguel social, porque alguns projetos de moradias não foram levados adiante. Estimo que 60% dos moradores que saíram de suas casas não receberam um imóvel — afirma Marquinhos. — Muito do que ficou pronto pode ser visto de fora da comunidade. Lá dentro, percebe-se que foi uma maquiagem.

Canteiro de obras do Complexo do Alemão (Arquivo) Foto: Pablo Jacob / Agncia O Globo
Canteiro de obras do Complexo do Alemão (Arquivo) Foto: Pablo Jacob / Agncia O Globo

Segundo o balanço do PAC, só no Alemão os investimentos somariam R$ 977 milhões — sendo R$ 790 milhões executados pelo estado. O Ministério das Cidades não informou quanto foi gasto. O governo fluminense, porém, diz que só a União repassou R$ 386,2 milhões. E, apesar da constatação de que muito ficou pelo caminho, diz que as obras estão concluídas.

É o que diz também sobre Manguinhos, onde também há promessas não cumpridas pelo governo, mas que continuam cobrando caro à população. Uma prolongamento da Rua Uranos, que custou um doloroso processo de remoções, ficou relagado ao mundo das ideias. Além disso, na esteira da crise no Rio, espaços como a Casa da Mulher pararam de funcionar. Próximo ao limite com o Jacarezinho, a Biblioteca Parque só reabriu em maio, depois de mais de um ano fechada. No Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila, que se tornou alvo de vândalos, a piscina nunca mais reabriu, e os moradores temem que seja um foco de mosquitos.

Na Rocinha, o complexo esportivo movimentado, em frente à passarela projetada por Oscar Niemeyer, pode dar a impressão de que o PAC na comunidade foi um sucesso. Mas basta desviar o olhar para a localidade da Roupa Suja, perto do Túnel Dois Irmãos, para ver o esqueleto do que seria um plano inclinado. É uma das promessas fracassadas, assim como a reurbanização do acesso à favela pela Rua do Valão e pelo Largo do Boiadeiro. Segundo a Secretaria estadual de Obras, foi solicitado à Caixa Econômica e ao Ministério das Cidades a redução do escopo das intervenções que faltaram, diante da crise financeira do estado. O governo “ainda aguarda a decisão da União”, afirma a pasta, em nota.

Mangueira ficou fora

Tampouco foram concluídas obras no Complexo da Tijuca e nos morros da Babilônia e do Chapéu Mangueira. Comunidades que receberiam o PAC 2 nunca passaram por melhorias, como a Mangueira, cujas obras foram canceladas. Atualmente, só há a perspectiva de repasse de R$ 96 mil para conclusão de trabalhos no Pavão-Pavãozinho, a cargo do estado.

Lixo e entulho no bairro Colônia Juliano Moreira Foto: Marcio Alves / Agência O Globo
Lixo e entulho no bairro Colônia Juliano Moreira Foto: Marcio Alves / Agência O Globo

Na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá (com intervenções executadas pelo município), à distância pode parecer tudo perfeito: ruas pavimentadas, ciclovias, creches, praças e moradias. Mas, ao se aproximar, surgem os problemas. A proposta de regularização fundiária não vingou. E, nos fundos de uma das comunidades, placas de concreto para obras de canalização de um valão foram deixadas no meio do mato. Só parte do córrego passou por obras.

— Devido ao abandono, ficamos com medo de enchentes a cada chuva forte — afirma o morador Mário Luiz.

Perto do Museu Bispo do Rosário, calçadas obstruídas por blocos de cimento abandonados, parquinhos quebrados e um grande depósito de entulho também são emblemáticos. Ficam na rua que ganhou nome da ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, que morreu em 2017.

Veja a lista das ações do PAC em comunidades "em obras" ou inacabadas, o valor dos investimentos e o órgão executor das intervenções:

Colônia Juliano Moreira 1 - R$ 109 milhões - Município

Colônia Juliano Moreira 2 - R$ 62 milhões - Município

Complexo do Alemão 1 - R$ 709 milhões - Estado

Complexo do Alemão 2 - R$ 77 milhões - Município

Rocinha 1 - R$ 122 milhões - Estado

Rocinha 2 - R$ 156 milhões - Estado

Complexo da Tijuca - R$ 30 milhões - Município

Complexo de Manguinhos - R$ 38 milhões - Município

Pavão-Pavãozinho / Cantagalo - R$ 35 milhões - Estado

Chapadão / Chico Mendes - R$ 98 milhões - Município

Jardim do Amanhã II / Cidade de Deus - R4 43 milhões - Município

Babilônia e Chapéu Mangueira - R$ 100 milhões - Município

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