TCU vê indícios de lavagem de dinheiro em financiamento do BB para Val Marchiori
O ministro André Luís de Carvalho, do TCU (Tribunal de Contas da União), vai pedir nesta quarta (19) que a corte multe gestores do Banco do Brasil por supostas fraudes em empréstimos concedidos a uma empresa da apresentadora e socialite Val Marchiori.
Em voto a ser apresentado em plenário, ele sustenta haver indícios de lavagem de dinheiro em operações feitas pela firma dela, após a obtenção dos recursos.
A Torke Empreendimentos, que tinha Marchiori como sócia, obteve em 2013 financiamento de R$ 2,7 milhões para a compra de cinco caminhões. O dinheiro vinha do Programa de Sustentação do Investimento, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Outros R$ 200 mil, de linha de crédito do próprio Banco do Brasil, foram liberados para a compra de um Porsche Cayenne, de uso da apresentadora.
O caso foi noticiado pela Folha em 2014.
O TCU abriu uma investigação e pautou o caso para julgamento em setembro do ano passado. O relator do processo, ministro José Múcio Monteiro, discordou dos auditores da corte –que propunham multas– e votou para que os gestores do BB não fossem punidos.
Houve pedido de vista de Carvalho, que apresentará nesta quarta posição divergente.
Segundo ele, a Torke visava cuidar da carreira de Marchiori e proteger o patrimônio dos filhos dela de eventual litígio de um casamento. Contudo, orientada pelo próprio banco de que o objeto social não era compatível com a obtenção do financiamento para os caminhões, ela providenciou “simuladamente alterações estatutárias fraudulentas” para que a empresa passasse a prestar, “apenas formalmente”, serviços de carga e de locação de veículos e equipamentos, entre outros.
“Promovida essa evidente simulação fraudulenta, sobreveio, em menos de um mês, a celebração do correspondente contrato de financiamento para os cinco caminhões”, escreveu Carvalho.
Como o limite de crédito autorizado era alto, foi possível também liberar dinheiro para o Porsche. Mas o ministro argumenta que a linha de crédito era empresarial e, portanto, incompatível com a obtenção de um carro de uso pessoal. Ele observa, além disso, que a socialite foi beneficiada com taxa de juros menor que a aplicável ao caso.
“Tanto os agentes públicos do BB quanto a referida empresária tinham expressa ciência de que a referida 'manobra estatutária' [no registro da empresa] se destinava unicamente a permitir o indevido acesso à linha de crédito empresarial, a despeito do interesse exclusivamente pessoal da Sra. Marchiori.”
Os caminhões comprados pela Torke – que não tinha funcionários registrados – foram transferidos para outra empresa, a Veloz, de propriedade do irmão e da cunhada de Marchiori.
Eles foram, em seguida, fretados para a Agrícola Jandelle, que pertencia ao então marido da socialite e foi comprada depois pela JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Para o ministro, o TCU deve atentar para a “estranha peculiaridade” da relação contratual que se estabeleceu a partir dos empréstimos. Os contratos, segundo ele, podem ter sido apenas uma forma de lavar recursos obtidos ilicitamente pela socialite e pessoas de seu entorno.
“Através de toda a estranha triangulação contratual realizada a partir de 2013, as pessoas ligadas à JBS (Wesley e Joesley Batista) podem ter viabilizado o 'branqueamento' [lavagem] do aporte líquido de dinheiro em favor das pessoas ligadas direta ou indiretamente a Val Marchiori, além de, dentro dessa operação, poderem ter de algum modo facilitado a 'entrega' do aludido Porsche Cayenne em favor da Sra. Val Marchiori”, afirma o ministro.
Ele levanta a hipótese de o próprio Bendine, amigo da socialite, ter obtido alguma vantagem com as transações.
“Não se vislumbra, portanto, a suposta ocorrência de mera falha formal na aludida operação de crédito para a aquisição dos caminhões, mas a consciente condução de evidente simulação para a fraude no âmbito desse perigoso procedimento de financiamento, podendo essa fraude ter servido até mesmo de esconderijo para os eventuais ilícitos criminais porventura perpetrados contra o BB e o BNDES, diante da estranha triangulação para o financiamento no valor total de R$ 2,7 milhões.”
No voto, o ministro pede a aplicação de multas de R$ 10 mil a 12 gestores do banco que teriam sido negligentes na análise das condições dos empréstimos. O gerente que orientou Marchiori a fazer alterações estatutárias deve ser penalizado, segundo ele, em R$ 20 mil.
Carvalho requer ainda a abertura de processo específico para apurar a participação de Bendine.
A decisão sobre o caso dependerá de maioria no plenário do TCU. Os ministros podem seguir o entendimento do relator, Múcio, do revisor, Carvalho, ou mesmo seguir por um caminho alternativo.
OUTRO LADO
O advogado de Marchiori, André Boiani, disse que não teve acesso ao voto de Carvalho, mas reiterou denúncia oferecida pelo MPF (Ministério Público Federal) contra sua cliente foi rejeitada em duas instâncias pela Justiça Federal, que já se manifestou no sentido de que ela não praticou ato ilícito.
“Conhecendo o processo criminal a respeito, muito me surpreende essa posição do [ministro do] TCU, porque não há elementos para falar uma coisa dessas. Houve uma investigação muito severa por parte da Polícia Federal. Todos [na Justiça] concordaram que não tem nenhum indício de irregularidade”, afirmou.
Ele explicou que os caminhões adquiridos estão em operação e que não há inadimplência nos empréstimos.
“Os caminhões são da Torke e fazia parte do contrato de financiamento que eles seriam arrendados para a Veloz. Essa é uma das razões por que a denúncia foi rejeitada. Nunca houve fraude em sentido algum. Tudo foi comunicado desde o início, como seria a operação.”
O advogado reiterou que os empréstimos não têm relação com eventual contato de sua cliente com Bedine.
O advogado de Bendine, Alberto Toron, afirmou que só atua para ele na área criminal, mas ratificou que a rejeição da denúncia sobre o caso pela Justiça Federal indica que seu cliente não praticou nenhuma irregularidade.
O Banco do Brasil informou que, em 2014, prestou todas as informações solicitadas pelo TCU e demonstrou a regularidade das operações citadas.
“Posteriormente, os mesmos fatos foram investigados pela unidade da Polícia Federal especializada em crimes contra o sistema financeiro, que concluiu pela regularidade da operação de crédito. A Justiça Federal, por sua vez, julgou improcedente a denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal”, afirmou, em nota.
O Banco do Brasil acrescentou que todas as operações realizadas com a Torke estão em “situação de normalidade, pagamentos em dia e sem qualquer pendência contratual”.