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No JN, Marina faz pose de Lula sem Lava Jato

No momento em que o TSE se equipa para proibir a candidatura de Lula, a pergunta que pode alterar os rumos da sucessão é a seguinte: para onde irão os votos que seriam destinados ao presidiário do PT? Em entrevista ao Jornal Nacional, sem mencionar o nome de Lula, Marina Silva apresentou-se aos telespectadores como uma versão feminina do líder petista —com estudo e sem menções na Lava Jato.

“Seu tempo acabou”, sentenciou William Bonner, antes de convidar Marina a informar, no prazo cronometrado de um minuto, que Brasil deseja para o futuro. Para uma candidata que terá 21 segundos para vender o seu peixe no horário político da TV, um minuto é um latifúndio. E a entrevistada, espremida durante os 27 minutos anteriores, degustou cada segundo. Sem interrupções, produziu um grand finale.

Marina realçou traços biográficos que a tornam parecida com Lula e com o pedaço mais importante do eleitorado: a maioria. “…Eu sou mulher, sou negra, mãe de quatro filhos, fui seringueira, empregada doméstica, me alfabetizei aos 16 anos. E eu sei que muita gente acha que pessoas com a minha origem não têm capacidade para ser presidente da República. Eu estou aqui trazendo mais que um discurso. Eu trago uma trajetória…”

Em meio a uma disputa marcada pela raiva e pelo histrionismo das posições extremadas, Marina acionou a voz fina e serena para falar sobre as vantagens de reunir as diferenças. Renovou o “compromisso de construir um país que seja justo e bom para todos, para empresários, para trabalhadores, para a classe média, para jovens, para mulheres.”

Em vez de jactar-se da trajetória que fez dela uma personagem fora do padrão, Marina encerrou sua participação no telejornal desejando aos eleitores um Brasil com enredo de novela, só que sem o núcleo pobre: “Muitas vezes as pessoas me admiram como uma exceção, mas eu não quero um país de exceção, eu quero um país de regras. Eu serei presidente da República com o seu voto para que esse país seja economicamente próspero, socialmente justo e ambientalmente sustentável.”

Lula foi surrado em três eleições presidenciais antes que a maioria se reconhecesse nele. Elegeu-se em 2002. Reelegeu-se em 2006. Marina disputa sua terceira sucessão. Coleciona duas derrotas e algo como 20 milhões de votos. Na campanha de 2014, depois da morte de Eduardo Campos, tomou o elevador nas pesquisas. Em agosto daquele ano, ultrapassou Aécio Neves. E abriu dez pontos de vantagem sobre Dilma Rousseff no cenário de segundo turno.

Em setembro de 2014, sofreu uma pancadaria da campanha petista. Com sua marquetagem anabolizada pelas verbas sujas da Odebrecht, Dilma usou parte dos 12 minutos de que dispunha na propaganda eleitoral para destruir a ex-companheira petista. Com dois minutos de TV, Marina não esboçou capacidade de reação.

Hoje, Marina enfrenta adversidades maiores em condições menos favoráveis. Neste sábado (1º), estreará no horário eleitoral com um tempo ainda mais escasso de 21 segundos. Com 16% de intenções de voto no Datafolha, Marina ocupa a segunda posição nas pesquisas. Está espremida entre adversários.

A candidata da Rede terá de provocar uma polarização com Jair Bolsonaro (22%), algo que Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e a torcida do Flamengo já estão tentando. De resto, Marina terá de cuidar para não ser ultrapassada por Ciro (10%), Alckmin (9%) ou por Fernando Haddad (4%). Não é uma tarefa simples.

Foi contra esse pano de fundo que Marina fez pose de Lula de saia no Jornal Nacional. Segundo o Datafolha, a presidenciável da Rede é, no momento, herdeira natural de um pedaço do patrimônio eleitoral de Lula.

No cenário sem o preso petista, Marina salta de 8% para 16%. Para permanecer no jogo, precisa reter os votos herdados mesmo depois que Haddad for oficializado como poste de Lula. Para tornar-se realmente competitiva, terá de convencer os devotos de Lula de que é, no momento, a melhor adversária contra Bolsonaro. Na prática, Marina inaugurou instintivamente no telejornal da Globo uma campanha sutil em favor do voto útil.

William Bonner e Renata Vasconcelos esfregaram no rosto de Marina os paradoxos que podem servir de matéria-prima para uma nova ofensiva de desconstrução. A candidata negou que a fuga de partidários da Rede seja uma consequência de falta de liderança: “Ser líder não é ser o dono do partido. O líder de um partido é aquele que é capaz de dialogar com os diferentes.”

Marina minimizou a falta de detalhamento de propostas prioritárias como a reforma da Previdência: “A gente vem da cultura do pacote, um em cima do outro, do povo brasileiro. Quando alguém diz que vai debater, vai dialogar, parece estranho, mas numa democracia, isso é o normal.”

E quanto ao apoio que deu a Aécio Neves no segundo turno de 2014? “Hoje, com as informações que vieram pela Lava Jato, não teria declarado o meu voto ao Aécio.”

Não considera uma incoerência aliar-se ao PV, partido que abandonou em 2010? “A nossa aliança é programática. A Rede é um partido pequeno. É engraçado que as pessoas cobram numa hora: ‘Mas a senhora não tem alianças, não tem coligação’. Quando eu faço alianças com aqueles que sobraram dessa miscelânea de corrupção, aí as pessoas me atiram no rosto.”

O que dizer das alianças tóxicas que a Rede firmou em vários Estados? “…O que atesta a minha vida e o meu compromisso são mais de 30 anos de vida pública. Deputada, senadora, ministra. Sem nenhum envolvimento em caso de corrupção. No plano nacional, não estamos coligados com nenhum desses partidos.”

Se não consegue liderar totalmente nem a Rede, como obterá a governabilidade? “O Itamar Franco, quando assumiu a Presidência da República numa situação parecida com essa, ele não tinha uma base, e ele conseguiu juntar pessoas de diferentes partidos e governar e fazer uma transição. Eu vou ser um governo de transição.” JOSIAS DE SOUZA

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