Mistificação
O Estado de S.Paulo
23 Agosto 2018 | 03h00
O jornal britânico Financial Times publicou no dia 21 um artigo de Fernando Henrique Cardoso no qual o ex-presidente critica duramente seu sucessor, Lula da Silva, por enxovalhar a imagem do Brasil no exterior – a mais recente estocada foi um artigo, publicado pelo New York Times, em que o petista diz, entre outras barbaridades, que sua prisão “foi a última fase de um golpe em câmera lenta destinado a marginalizar permanentemente as forças progressistas no Brasil”.
Em resposta a essa patacoada, FHC escreveu que “a maneira que Lula da Silva escolheu para se defender perante o mundo (...) tem de ser contestada”, pois “sua versão da história recente do Brasil guarda escassa relação com a realidade”. Diz também que “o ex-presidente retrata o Brasil como uma democracia em ruínas, na qual o Estado de Direito deu lugar a medidas arbitrárias destinadas a enfraquecê-lo e a seu partido”, o que “não é verdade”.
Depois de descrever as muitas mentiras de Lula sobre o “golpe” contra a presidente Dilma Rousseff e sobre o processo que condenou o petista à cadeia, FHC afirma que “é uma grave distorção da realidade (...) dizer que há uma campanha no Brasil para perseguir indivíduos específicos” e termina com um protesto: “Meu país merece mais respeito”.
Já não era sem tempo. A máquina lulopetista de agitação e propaganda, calejada depois de mais de três décadas destruindo reputações alheias e construindo a mitologia de seu morubixaba, há muito tempo trabalha para convencer a opinião pública no exterior de que o impeachment de Dilma e a prisão de Lula foram parte do tal “golpe” destinado a “reverter o progresso dos governos do PT”, como diz o caviloso artigo do chefão petista. Era mesmo necessário que alguém da estatura de FHC, reconhecido internacionalmente como estadista, viesse a público manifestar seu repúdio mais veemente contra essa campanha de desinformação e má-fé.
Mas o fato é que o estrago está feito. O aparato da seita de Lula para desmoralizar a democracia brasileira no exterior mobilizou tantas frentes que hoje é praticamente impossível tentar conter seus danos por meios tradicionais, como a diplomacia, ou com artigos na imprensa estrangeira.
São artistas, intelectuais, professores universitários e políticos de diversos países, todos convencidos de que Dilma Rousseff caiu em razão de um “golpe” e que Lula da Silva é um “preso político”. Pudera: até uma “greve de fome” os petistas deflagraram para caracterizar o “estado de exceção” brasileiro.
Essa campanha de desinformação não para de dar frutos. No mês passado, por exemplo, o cientista político Steven Levitski, de Harvard, autor do best-seller Como as Democracias Morrem, disse em entrevista ao Estado que o impeachment de Dilma “viola o espírito das leis” e que a exclusão de Lula da corrida presidencial “é algo perigoso a se fazer” – como se, em ambos os casos, a lei não tivesse sido seguida.
O mesmo equívoco, mas numa dimensão muito maior, cometeu o ex-chanceler do México Jorge Castañeda. Em artigo no New York Times, intitulado Por que Lula deve ter permissão para concorrer à Presidência, Castañeda argumenta que “a causa de Lula foi endossada por muitas figuras internacionais ao redor do mundo” e sugere que seu caso se assemelha à perseguição política empreendida pelas ditaduras da Venezuela e da Nicarágua contra seus oponentes. Após dizer que impedir a candidatura de Lula seria marginalizar milhões de eleitores que querem “seu ídolo de volta à Presidência”, ele completa: “As acusações (contra Lula) são tão frágeis, os alegados crimes, tão pequenos, a sentença, tão escandalosamente desproporcional (...) que a democracia deveria se sobrepor ao Estado de Direito” – ou seja, o “desejo” dos eleitores de Lula deveria prevalecer sobre a lei.
Quando prestigiados intelectuais, alguns com boas credenciais democráticas, se deixam encantar dessa forma pelas patranhas de Lula, a ponto de abdicar da defesa do Estado de Direito – que é o pilar da democracia, pois assegura que ninguém, nem mesmo deidades como Lula, está acima da lei –, só resta esperar que a Justiça brasileira não vergue ante essa espantosa histeria coletiva.