Nada de novo
O Estado de S.Paulo
20 Agosto 2018 | 03h00
Os eleitores que anseiam por uma lufada de ar fresco no Congresso Nacional deverão ter paciência – e esperança – e aguardar mais um pouco. Não será nas eleições deste ano que o quadro de representação política no Poder Legislativo passará por uma renovação, tanto de nomes como, principalmente, de ideias.
Não obstante o forte desgaste por que passam as atuais composições das duas Casas Legislativas, quase 90% dos deputados e cerca de 65% dos senadores tentarão a reeleição em outubro, de acordo com levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a pedido do Estado.
Na Câmara, ao menos 447 deputados estão dispostos a permanecer mais quatro anos em Brasília. No Senado, são 35 dos 54 senadores eleitos em 2010 os que tentarão obter mais um aval dos eleitores nas urnas. No Senado, trata-se do maior contingente de senadores que irá tentar a reeleição desde 1994. O caso da Câmara não é muito diferente: o maior desde o pleito de 1998.
Recorte do levantamento do Diap, publicado pela Coluna do Estadão na terça-feira passada, indicou que só 10% dos deputados não disputarão a reeleição. E, mesmo assim, a maior parte destes parlamentares desistiu de pleitear um novo mandato em favor de parentes. Ou seja, não é improvável que o painel eletrônico da Câmara dos Deputados mostre os mesmos sobrenomes na nova legislatura.
Esta modorrenta repetição de sobrenomes no Congresso Nacional por anos a fio, não raro por décadas, não é, em boa parte dos casos, o coroamento nas urnas de profícuas e bem-sucedidas trajetórias políticas. Trata-se, antes, de um reconhecimento às avessas: o resultado do bom manejo das rígidas estruturas partidárias e do absoluto controle sobre currais eleitorais que, em 2018, ainda não dão qualquer sinal de extinção.
Os caciques dos partidos têm duas razões especiais este ano para estreitar ainda mais os canais de acesso aos novatos e privilegiar os atuais mandatários que estão em campanha pela reeleição. A primeira é a nova regra para o financiamento de campanhas eleitorais. A segunda, em boa medida ligada à primeira, é a manutenção do foro especial por prerrogativa de função.
Como forma de substituir as doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas, em boa hora proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi aprovada pelo Congresso, no ano passado, a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que, para o pleito de 2018, está orçado em R$ 1,7 bilhão. Pela regra atual, tanto este fundo como o Fundo Partidário, de R$ 888 milhões, são divididos entre as legendas de acordo com o número de parlamentares eleitos por cada uma delas. Ou seja, é do interesse dos donos de cada partido manter, e se possível aumentar, suas bancadas.
Não lhes ocorre, por exemplo, rever seus princípios éticos e práticas que não se coadunam com a doutrina pregada em seus estatutos para, assim, engajar cidadãos que financiem as atividades dos partidos por identificação ideológica e liberdade democrática. Assim deveria ser em uma democracia consolidada. Cabe lembrar que partidos políticos são organizações privadas. Mas os caciques partidários preferem o conforto do dinheiro público fácil e farto.
Outra razão para o número alto de parlamentares que estão em busca de um novo mandato é a manutenção do foro especial por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado. Congressistas implicados em ações penais são processados e julgados pelo STF. É conhecida a dificuldade da Corte Suprema para se desincumbir, em tempo aceitável, desta atribuição que lhe é dada pela Constituição. “Isso virou bem importante (a manutenção do foro). Vários deputados vão tentar se reeleger como forma de garantir que seus processos não avancem”, disse Glauco Peres, cientista político da USP ouvido pelo Estado.
O arejamento da política deveria vir, de um lado, do estímulo para que as famílias, as escolas e as universidades formem novas lideranças. De outro, de uma reforma político-eleitoral que dê fim ao caciquismo que nos mantém no atraso. Mas tudo tarda.