Marina atinge Bolsonaro
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
19 Agosto 2018 | 03h00
Só uma mulher, e uma mulher com a força moral de Marina Silva, poderia botar o dedo na ferida, citando uma das cenas mais lamentáveis da campanha eleitoral para condenar Jair Bolsonaro por “pegar a mãozinha de uma criança e ensinar como é que se faz para atirar”. E concluir: “É esse o ensinamento que você quer dar ao povo brasileiro?”.
Ela também o acusou, no debate da Rede TV!, de fazer “vista grossa” para um problema real: “Só uma pessoa que não sabe o que significa uma mulher ganhar um salário menor que os homens, tendo a mesma capacidade, a mesma competência, e ser a primeira a ser demitida e a última a ser promovida e, quando vai na fila de emprego, só por ser mulher, não ser aceita”.
Um balbuciante Bolsonaro replicou que Marina “é uma evangélica que defende a legalização do aborto e da maconha” e insistiu na ideia lamentável de “militarização das escolas, para ter disciplina”. Logo ele, que saiu prematuramente do Exército por ser indisciplinado e preferir concorrer a vereador.
Se fosse um outro candidato, Marina seria acusada de oportunismo, de estar de olho nos mais de 52% de votos femininos. Mas não ela, que é mulher e já tem um porcentual maior de votos de mulheres do que de homens. Ficou evidente que ela falou uma verdade e ganhou pontos, porque já é a segunda nas pesquisas sem o ex-presidente Lula e conseguiu polarizar com o candidato que está na frente.
Isso, aliás, é uma incógnita. Com Bolsonaro consolidado, liderando em todas as regiões, os demais deveriam estar disputando a vaga de opositor a ele. Se muita gente vota em Bolsonaro, muito mais gente não vota nele. Mas Marina chegou na frente, enquanto os outros focam uns aos outros e ele corre sozinho.
Bolsonaro, Ciro Gomes, Alvaro Dias, Cabo Daciolo e a própria Marina, têm sempre dois alvos, o PT e o PSDB, o que cria uma situação intrigante. O PT nem candidato tem, enquanto Lula se debate na prisão em Curitiba e Fernando Haddad finge que não é o que é. E o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, está em quarto lugar sem Lula e nunca bateu em dois dígitos.
Diz a velha sabedoria que não se gasta munição à toa nem se chuta cachorro morto e, se todos chutam PT e PSDB, eles não parecem tão mortos assim. Temem que Haddad vire uma onda na reta final? Ou que Alckmin converta suas boas condições objetivas (tempo de TV, alianças, o governo de São Paulo) em votos?
Ciro acha que a chance dele é derrubando Alckmin, Marina precisa se desvencilhar do PT e do voto em Aécio em 2014, Bolsonaro se vende como o fim da polarização PT-PSDB, Alvaro Dias, ex-tucano, concorre na mesma faixa de Alckmin, Daciolo é franco-atirador.
Fogem à regra Meirelles e Boulos. Meirelles repetiu o debate inteiro que foi presidente do BC com Lula e ministro da Fazenda “agora” – sem citar Temer – e só foi duro ao falar na “bagunça da Dilma”. E Boulos ataca a “esculhambação geral”, como Daciolo, mas protegendo um preso.
Marina, enfim, quebrou o script ao virar as baterias para quem realmente interessa: o líder nas pesquisas. Aliás, com a economia quase parando, 13 milhões de desempregados e um déficit público escandaloso, Bolsonaro encerrou o debate falando em Deus, família e propriedade... Ops!
‘ONU’. A “determinação” da ONU para Lula concorrer não foi determinação, só “recomendação”. E não foi “da ONU”, só de um comitê técnico que nem se quer submeteu ao Alto Comissariado de Direitos Humanos, porque os EUA mandam na ONU e ninguém imagina um condenado e preso concorrendo lá. O PT fazer a encomenda não é surpresa. Mas um comitê da ONU agir como Waldir Maranhão e Rogério Favreto já é demais.