Análise: Insistência do PT em candidatura de Lula ignora crise e fatos
BRASÍLIA — O Partido dos Trabalhadores registrará nesta quarta-feira a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Será a sexta vez. Para 84 milhões de brasileiros (57% dos eleitores), Lula é praticamente sinônimo de eleição. Desta vez, o mais provável é a ausência do nome do ex-presidente na urna eletrônica. Condenado por corrupção em segunda instância e preso desde abril, está inelegível, enquadrado na Lei da Ficha Limpa, sancionada por ele mesmo, em junho de 2010. Lula, porém, continua pairando como personagem central na disputa política.
LEIA: João Amoêdo vai pedir para TSE barrar Lula e impedi-lo de indicar substituto
O petista teria 30% das intenções de voto, de acordo com pesquisa Datafolha de junho. Mesmo distante do poder, lidera com folga a corrida eleitoral. O segundo colocado, Jair Bolsonaro, atinge 17% das preferências, seguido de Marina Silva, com 10%. Se a Justiça Eleitoral confirmar sua inelegibilidade, o desafio do petista será, da cadeia, transferir seus votos a um novo "poste" — o último foi Dilma —, desta vez, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad.
O partido finge que Lula é o candidato e, publicamente, trata Haddad como mero representante. Às vezes, acrescenta toques de tragicomédia, como batizar de "chapa tríplex", o trio Lula-Haddad-Manuela D'Ávila (a futura vice) — a referência, propositada, é ao apartamento no Guarujá (SP) que a Justiça entendeu como suborno da empreiteira OAS a Lula.
A decisão do comando petista, sob orientação do chefe preso em Curitiba, foi manter ao limite o nome de Lula, especialmente como estratégia de defesa na Justiça. Ao ponto de desistir de um pedido de prisão domiciliar. O caminho agora tem muito mais obstáculos. Um deles é o fato de que Lula enfrenta um alto índice de rejeição, que até supera suas intenções de voto: 36% declararam que não votariam de jeito nenhum no ex-presidente. É seguido, no repúdio, pelo adversário Bolsonaro, com 32%.
Depois da provável declaração de inelegibilidade pela Justiça Eleitoral, Lula terá que cruzar outra barreira. Seu substituto, Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, tem apenas sete semanas para se tornar conhecido por 170 milhões de eleitores em todo o país.
Nas pesquisas, Haddad até agora não obteve mais que 2% ou 3% dos votos. Mesmo que o substituto de Lula deslanche, o PT terá de superar o desinteresse generalizado demonstrado pelos eleitores: 38% dizem não ter qualquer interesse nas eleições, mostrou o estudo "Retratos da Sociedade Brasileira", do Ibope/Confederação Nacional da Indústria, divulgado semana passada. Entre os que pretendem anular o voto, a corrupção é citada por um terço como o principal motivo.
Lula comanda o PT de dentro da prisão. Transformou políticos e militantes em advogados de defesa, inclusive Haddad, que providenciou às pressas uma carteira da OAB. Recebe-os diariamente, acertando procedimentos jurídicos, discursos, artigos e programas de governo. Já declarou que não era mais uma pessoa, mas "uma ideia". Parlamentares e admiradores incluíram o nome "Lula" na assinatura - e Haddad tende a fazer o mesmo.
A narrativa petista do mito encarcerado como fruto de um golpe das elites e da direta brasileira é reforçada com declarações de apoio internacionais e romarias à Curitiba. Dias atrás, por exemplo, a monja Cohen, uma missionária zen budista, depois de uma visita a Lula de quase uma hora, disse, megafone à mão, no acampamento em frente à sede da Polícia Federal: "Recebo um olhar de amor. Ele é uma pessoa doce, forte. Disse que não tem raiva e tem que desculpar os que são burros."
O roteiro de Lula foi traçado — e permanece — na primeira pessoa do singular. Tem sido assim desde que despontou como líder sindical dos metalúrgicos, no início dos anos 80, e fundou o Partido dos Trabalhadores. Quase quatro décadas depois, o PT carece de líderes para substituí-lo. O partido vive à sombra dele, repudiando os antigos aliados no poder, o "Centrão".
As eleições de outubro poderiam ser um ponto de virada para o PT, com promoção de novos quadros e reconstrução do partido, dizimado pelo mensalão e a Lava-Jato. A opção renovada pela força da imagem de Lula ignora a crise e os fatos. OGLOBO /
POR LYDIA MEDEIROS