Se é falsa, não pode ser notícia
A língua, por ser viva, presta-se por vezes a imprecisões e distorções que refletem ações e pensamentos de seus usuários. Repete-se, com frequência, o uso da expressão fake news, as chamadas notícias falsas. Por princípio, se são falsas, não podem ser chamadas de notícias. Notícia é uma produção técnica, submetida a princípios universais de precisão, verificação e comprovação, para citar alguns dos requisitos essenciais.
O aumento de relatórios e dados sobre notícias falsas, desinformação, conteúdo partidário e distorção tem causado alarme a instituições das mais diversas. Esse manancial de erros reverbera particularmente nas redes sociais, terreno fértil para manipulações econômicas, políticas e mesmo psicológicas.
Pesquisas já demonstraram que notícias falsas muitas vezes alcançam mais pessoas do que notícias tecnicamente atestadas. Uma onda de boatos pode começar a partir de um simples comentário, com a inclusão de texto escrito, fotos ou links para artigos on-line. Outros, em seguida, propagam o boato, formando ondas mentirosas que se espalham conforme interesses políticos e comerciais.
Em geral, o boato que recebe compartilhamentos significativos embute informações verdadeiras, falsas e parcialmente verdadeiras. Análises de texto chegaram a indicar que, por vezes, o relato tem até 98% de informações verificáveis e precisas. A manipulação reside em parcela, em tese menor, mas essencial para o efeito da difusão da mentira.
Por mais que robôs sejam usados na propagação das notícias falsas, o elemento humano exerce papel de destaque nesse espraiamento. Mensagens que provocam reações emocionais, com pessoas expressando maior surpresa ou desgosto, são aquelas que mais compartilhadores atingem.
Assim, momentos de grande confrontação política, eleitoral e social são estimuladores do aparecimento e da circulação de notícias falsas. São louváveis, apesar de incertos, os esforços de instituições como o Tribunal Superior Eleitoral para restringir e punir os responsáveis pela disseminação de boatos.
A reportagem de capa de ÉPOCA, no entanto, mostra que os mecanismos econômicos por trás das fake news são os maiores estimuladores para sua propagação. Os responsáveis pelo gerenciamento das redes sociais já manifestaram intenção de quebrar a cadeia que remunera sites que publicam notícias falsas, na caça a cliques que vão gerar mais dinheiro para seus proprietários. As ações, nesse aspecto, parecem inefetivas e tímidas.
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Outro ponto que merece preocupação é o fato de parlamentares se valerem das redes de boato para proselitismo político, moral e religioso. O pior de tudo é que ainda usam dinheiro público para pagar menções elogiosas a si e a projetos que defendem ou para fazer ataques.
Tal forma de desvirtuamento da atividade política mereceria apreciação imediata das devidas comissões do Congresso Nacional, não fosse inútil imaginar que os parlamentares possam se distanciar do corporativismo que abraçam em nome da preservação dos pares. ÉPOCA