O fenômeno Huck
Foi um terremoto – ele diria “loucura, loucura, loucura”. A contar do momento em que Luciano Huck resolveu se incorporar a movimentos cívicos e organizados da sociedade dedicado a contribuir para o debate nacional, perpassaram menos de três meses. O suficiente para que o apresentador se transformasse no fenômeno eleitoral da vez. Por isso, o que no nascedouro parecia um mero balão de ensaio, uma eventual candidatura de Luciano Huck ao Palácio do Planalto assumiu ares de seriedade.
Não que ele tenha manifestado o interesse em lançar seu nome – pelo contrário, a interlocutores Huck tem indicado que irá declinar da postulação à Presidência. Mas, principalmente, em razão do potencial eleitoral que a possível candidatura demonstrou galvanizar e pelo alvoroço que esse fato político incontestável provocou no País. Nas últimas semanas, Huck foi paparicado por políticos de diversos matizes, recebido com tapete vermelho por pesos pesados do PIB nacional, teve seu nome incluído nas pesquisas de intenções de voto e até um convite formal para ingressar num partido – o PPS – chegou em suas mãos. É evidente, nenhum fenômeno eleitoral surge por geração espontânea. Num ambiente altamente tóxico e de total descrédito da classe política, Huck encarna um perfil capaz de cativar um eleitorado carente de opções, interessado em escapar da polarização radical Lula de um lado, Jair Bolsonaro de outro: tem cara de bom moço, ao lado da mulher Angélica personifica a família perfeita e promove ações sociais em seus programas de TV de alcance continental. Ou seja, seria o cara certo no lugar certo, num momento de desgaste do carcomido modelo político em que as pessoas não se sentem mais representadas pelos veteranos do jogo. Não por acaso, Huck foi testado nos levantamentos eleitorais. Na maioria das simulações, figurou na casa dos dois dígitos, o que representa um desempenho e tanto num cenário pulverizado como o atual. A última pesquisa, realizada pelo instituto Ipsos, em parceria com o Estadão, revelou que ele é o mais bem avaliado entre os 23 nomes submetidos ao eleitor, com uma aprovação de 60% e apenas 32% de reprovação. Em dois meses, cresceu 17 pontos percentuais. Os outros cotados na disputa, como Lula, Bolsonaro e Marina apresentam feedbacks negativos na proporção da avaliação positiva de Huck: sempre perto dos 60%. As reações ao resultado do levantamento indicam que, sim, o apresentador causou calafrios nos que poderiam ser seus oponentes. O maior recibo for passado e lavrado em cartório pelo ex-presidente Lula. Em entrevista à Rádio 730 AM de Goiás, na quinta-feira 23, o petista afirmou que seu “maior desejo na vida” era “disputar com alguém com o logotipo da Globo na testa”. O diretor-presidente do Instituto Ipsos, Danilo Cercosimo, não se surpreendeu com o desempenho fora da curva de Huck. “Esse salto tem muito a ver com o fato de seu nome ter sido cogitado evidentemente. É um cacife importante”, afirmou o especialista. “São números expressivos. Apontam a demanda da sociedade por renovação”, fez coro o cientista político Antonio Lavareda. Como se vê, a simples presença de Huck como opção no tabuleiro do xadrez político esquentou o caldeirão eleitoral.
Sem o conhecimento de Huck, um marqueteiro chegou a formatar um plano de vôo solo para ele em 2018, que consistia em apresentá-lo na largada como um outsider “puro sangue”
Influência
Claro, seria ingênuo não levar em consideração que, ao contrário de fenômenos eleitorais tradicionais, Huck é catapultado pelo fato de ser um dos principais apresentadores de TV da emissora de maior audiência do País. Adorado pelo público, especialmente o jovem, Huck é um case de sucesso nas redes sociais. No Instagram, conta com 12,6 milhões de seguidores. À frente do Caldeirão do Huck, programa com audiência média de 3,5 milhões de espectadores, conta com uma poderosa vitrine para quadros em que realiza ações em favor da população menos assistida. Os mais conhecidos são o Lata Velha, em que reforma automóveis caindo aos pedaços; Lar Doce Lar, em que a restauração é feita em casa; e o Um Por Todos, Todos Por Um, dedicado a ajudar pequenas iniciativas capazes de melhorar a vida de pessoas. Fora da televisão, preside o Instituto Criar de TV e Cinema, fundado em 2003. O objetivo do instituto é promover o desenvolvimento pessoal e profissional de jovens por meio do audiovisual. Por conta do projeto, foi indicado a um prêmio de empreendedorismo social em 2007.
Os recentes movimentos do astro de TV revelam que, mesmo não sendo candidato, Luciano Huck almeja influir na pauta política, tornar-se um dos protagonistas das discussões em 2018, alterar o eixo do debate. Isso ele já conseguiu. Ao aproximar-se de movimentos como o RenovaBr e o Agora!, o apresentador fez aquilo que carece a muitos políticos, em véspera de ano eleitoral: colocou a mão na massa, gastou sola de sapato, amassou barro, como se diz na gíria, e começou a discutir projetos viáveis para o País. Sob a bandeira da renovação, Huck encantou não só jovens, como o time de masters do jogo eleitoral, enfastiados com o modus operandi mais do que deteriorado da política tradicional. Há duas semanas, Luciano Huck cumpriu agenda de homem público. Manteve conversas na casa do economista e ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, ao lado de Marcos Lisboa, presidente do Insper, procurou o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, jantou com o governador do Espírito Santo Paulo Hartung, do PMDB, e reuniu-se com o presidente do PPS Roberto Freire e o ministro da Defesa Raul Jungmann. Sempre acompanhado de Ilona Szabó, cofundadora do movimento Agora!, e diretora do Instituto Igarapé, ONG que atua no setor de segurança pública. Foi nesse encontro que Huck recebeu o convite para subscrever a ficha de filiação ao PPS. Ex-integrante do velho partidão, Freire ficou encantado com as opiniões de Huck. “As portas estão abertas para ele. Huck é uma pessoa de valores e concepções. Faz parte de um grupo (Agora!) que leva isso em propósitos com os quais o PPS se identifica com o que também pensamos para o Brasil”, afirmou Freire.
O Agora! tem entre seus militantes artistas, empresários, economistas e acadêmicos. Em sua página na internet, se identifica como um movimento formado por um grupo diverso. “Nossos membros possuem experiência e reconhecimento em suas áreas de atuação e prezam pela integridade e pelo engajamento cívico”. Huck tem participado ativamente das atividades do grupo. Além do Agora!, estreitou laços com o empresário Eduardo Mufarej, ligado ao RenovaBr, que vai financiar um grupo de 150 jovens, interessados em se capacitarem politicamente. Durante seis meses, essas pessoas receberão bolsas de R$ 5 mil por mês para estudar ética e boas práticas políticas. O fundo destinado à formação de novos políticos será sustentado por Huck, Mufarej e empresários como Abílio Diniz.
Familiaridade
Apesar de ter se debruçado com aferro sobre a agenda nacional nos últimos meses, o apresentador não é um neófito nem a política é um ambiente totalmente desconhecido para ele. Seu pai, Hermes Marcelo Huck, é advogado e jurista, e sua mãe, Marta Dora Grostein, urbanista e professora da USP. E isso também foi levado em conta pelos que fizeram figa pela candidatura de Luciano Huck ao Planalto. Segundo apurou ISTOÉ, sem o conhecimento e o aval de Huck, um marqueteiro conhecido chegou até a formatar um plano de vôo solo para ele em 2018, estruturado com início, meio e fim, e que consistia, na largada, em apresentá-lo como a grande novidade eleitoral, um outsider “puro sangue”, “o único totalmente imune aos vícios da velha política” e o retrato pronto e acabado “da oxigenação política tão acalentada pela população”. Na última semana, no entanto, a amigos próximos, Huck já dava sinais de que não toparia mesmo a empreitada. “Ele é novo, não é de se deixar seduzir por qualquer canto de sereia, e sabe que não precisa necessariamente se candidatar nesse momento. Como tudo o que fez na vida, Huck está construindo algo sólido e perene, no afã de levar jovens e cabeças pensantes a discutir o Brasil”, disse uma pessoa ligada a ele.
O apresentador também teria sofrido pressões da Globo para tomar uma decisão célere. Comenta-se na emissora que foi imposto a ele a data-limite de 15 de dezembro. Huck ainda foi informado sobre outras condições, caso quisesse concorrer à eleição presidencial de 2018: ele e sua mulher, Angélica, teriam de deixar a emissora até o fim do ano. A demissão seria permanente. Teria de abrir mão de um salário de R$ 1,5 milhão por mês, fora os contratos de publicidade – o salário do presidente da República é de R$ 33 mil.
Independentemente do desenlace, a ascensão meteórica de Huck é um sintoma do nosso tempo. A desconfiança dos eleitores nos políticos tradicionais vem provocando um fenômeno não só nacional como global. Movimentos recém-fundados personificam o ideário de renovação e, num átimo de tempo, conquistam corações, mentes e votos. Um caminhão de votos. O último case internacional de sucesso envolveu o movimento francês A República em Marcha (La Republique en Marche). Em apenas um ano, conseguiu eleger o presidente da França, Emmanuel Macron, e conquistou a maioria das cadeiras do Parlamento. Embora não tão estrepitoso como o do En Marche, há outros exemplares de movimentos recém-nascidos com vertiginoso crescimento eleitoral. É o caso do Podemos espanhol. Concebido em janeiro de 2014, concorreu no mesmo ano às eleições para o Parlamento Europeu, figurando em quarto lugar no número de cadeiras em disputa. ISTOÉ