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Dois passos e um longo caminho

O Estado de S.Paulo

02 Outubro 2017 | 05h00

Como é cada vez mais remota a possibilidade de o Congresso realizar uma verdadeira reforma política, é até possível entender como um avanço a aprovação pela Câmara da proposta que acaba com as coligações em eleições proporcionais a partir de 2020 e estabelece uma cláusula de desempenho para o acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral. De toda forma, impressiona a capacidade do Legislativo de retardar uma melhora efetiva do sistema político, pois, mesmo quando caminha em sentido correto, parece fazer de tudo para atrasar sua implantação, como no caso do fim das coligações, ou afrouxar seus bons efeitos, diminuindo a taxa mínima de desempenho dos partidos. Cabe agora ao Senado ser diligente, já que, para a cláusula de barreira valer nas eleições de 2018, os senadores precisam aprová-la, em dois turnos, até o dia 7 de outubro.

Desde sua apresentação no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 282/2016 teve o objetivo de ser o avanço possível nas regras políticas. Durante a tramitação na Câmara, ela sofreu algumas modificações significativas, como o adiamento para 2020 do fim das coligações nas eleições proporcionais. A ideia original era proibi-las a partir de 2018.

As coligações nas eleições proporcionais pervertem a representação. Se o cidadão não repara bem nas alianças feitas pelo partido de seu candidato, seu voto pode contribuir para eleger uma pessoa com uma orientação político-ideológica completamente distinta da de sua preferência. Na prática, as coligações em eleições proporcionais impedem que o eleitor possa medir os exatos efeitos da sua escolha na urna. Ao menos, ele precisaria conhecer todos os candidatos de uma coligação para saber o destino de seu voto, o que é impraticável.

Não havia motivo justificável para a Câmara adiar a sua proibição de 2018 para 2020. De toda forma, agora é esperar que o Senado aprove a medida moralizadora, sem retardá-la ainda mais.

O segundo ponto da PEC 282/2016, que estabelece a cláusula de desempenho para as legendas, também é igualmente benéfico para a política nacional. Caso seja aprovada a cláusula, se um partido não atingir um patamar mínimo de representação, ele não terá direito ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito. A medida ajuda, portanto, a filtrar os partidos nanicos, que, custeados pelo Estado, só servem a seus proprietários e ajudam a transformar o Congresso num balcão de negócios.

Mais uma vez, transige-se. Pela proposta aprovada na Câmara, o patamar mínimo de representação aumenta progressivamente. Deveria ter vigência imediata e integral, já nas próximas eleições. A Câmara, no entanto, fixou em 1,5% dos votos válidos a deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, o piso de desempenho dos partidos para 2018. Em 2030, a cláusula chegará a 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, com um mínimo de 2% em cada um deles. É ainda uma barreira tênue. Mas representa desde já uma clara orientação a todas as legendas: não basta existir no papel, é preciso ter um mínimo de representatividade.

No fim da votação, a Câmara aprovou um destaque que reforça a necessidade de que as legendas sejam de fato representativas de uma parcela da população. O texto original da PEC 282/2016 permitia a formação de federações de partidos, cujos votos seriam computados em conjunto como forma de facilitar a superação da taxa mínima de desempenho. Acertadamente, os deputados excluíram tal possibilidade, que serviria como uma brecha para legendas nanicas. Cristalina, a experiência indica que oferecer facilidades a partidos sem voto não contribui para uma melhor representação do pluralismo existente na população. É antes um elemento de distorção.

Os dois passos dados pela Câmara revelam, uma vez mais, o longo caminho que se tem pela frente até um sistema político minimamente funcional, capaz de expressar o interesse público e a vontade da população.

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