O alto custo da má representação política
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso aprovou um Fundo Eleitoral de R$ 4,96 bilhões para 2026, ano de eleições gerais no País. O valor pode ser espantoso, mas não surpreendente. Afinal, sempre que o assunto é o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, deputados e senadores dos mais distintos matizes ideológicos se unem na desfaçatez e encontram rápida convergência para preservar seus interesses corporativos.
A ladainha é sempre a mesma: “A democracia tem um custo”. Os defensores do modelo público de financiamento das legendas e das campanhas repetem esse argumento ad nauseam com ares de truísmo moral. Ora, de fato, em qualquer país, a democracia impõe custos. O problema aqui está em saber se a dinheirama dos contribuintes que é deslocada arbitrariamente de áreas vitais a seus interesses – como saúde, educação e segurança pública – para as legendas tem se revertido em ganhos reais para a sociedade. A resposta é obviamente negativa.
A qualidade do “produto” que os cidadãos recebem em troca do vultoso investimento público na atividade partidária é indigente. O Congresso não se cansa de mostrar que está divorciado das angústias mais prementes da população. Em vez de se dedicar à formulação de políticas públicas capazes de melhorar a vida concreta dos brasileiros, dedica-se a ampliar seu poder sobre o Orçamento da União, por meio de emendas suspeitíssimas, e a engendrar mecanismos de autoproteção contra investigações criminais por eventuais desvios desses recursos, entre outros crimes. A famigerada PEC da Bandidagem, aprovada na Câmara, só foi enterrada no Senado porque a sociedade ergueu sua voz contra a sem-vergonhice nas ruas. Mas, mesmo derrotada, a proposta segue viva como um símbolo eloquente dessa profunda desconexão entre representantes e representados da qual o Fundo Eleitoral bilionário é mais uma expressão.
Se é público o financiamento das campanhas eleitorais desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, corretamente, proibiu as doações de empresas, em 2015, seria razoável esperar que isso se traduzisse em fortalecimento da democracia representativa. Mas não foi o que aconteceu. O modelo apenas garantiu conforto financeiro às lideranças partidárias, que, a um só tempo, deixaram de bater à porta de grandes empreiteiros e não precisam convencer os eleitores a sustentá-las. Sem a premência de lutar por seus meios de sobrevivência, os partidos políticos tornaram-se máquinas burocráticas autocentradas que se alimentam de recursos públicos líquidos e certos, desobrigados de pôr a mão na consciência e entender por que, afinal, as doações privadas de cidadãos comuns são tratadas como utopia no Brasil.
Juridicamente, os partidos políticos são entidades privadas. Como tais, devem ser bancadas por doações voluntárias de cidadãos que compartilham de seus valores e projetos. Essa lógica elementar foi distorcida. Obriga-se todo contribuinte a financiar agremiações às quais não apenas não se filiou, mas muitas vezes se opõe. Nada mais perverso para uma democracia representativa do que forçar um cidadão a sustentar com seus impostos forças políticas das quais discorda, quando não repudia.
A democracia, esse regime tão custoso, dirão, não se resume à realização de eleições regulares – vive permanentemente de sua legitimidade. Quando os cidadãos percebem que suas vidas, seus problemas cotidianos e seus anseios para o Brasil não estão refletidos na política institucional, a confiança na democracia como único meio civilizado para a concertação dos interesses sociais se deteriora. E esse divórcio entre Congresso e sociedade alimenta o descrédito nas instituições que, no limite, abre espaço para aventuras autoritárias.
Não se trata aqui de defender o retorno das doações de empresas, que de fato distorciam o processo político ao equiparar pessoas jurídicas a cidadãos. Mas os parlamentares precisam pôr a mão na consciência – acreditando-se, é claro, que tenham uma. Se a democracia tem custo, o preço que a sociedade tem pagado é demasiado alto para a baixa qualidade de sua representação política.