Os riscos previsíveis da politização do IR
Reformar o Imposto de Renda é tarefa das mais delicadas politicamente. Trata-se de um tributo de custo evidente para cada contribuinte, à diferença dos incidentes sobre o consumo e incorporados aos preços de bens e serviços. Assim, qualquer aumento de cobrança gera reação imediata, ainda mais quando afeta setores influentes.
Não por acaso, o governo Luiz Inácio Lula da Silva, de base frágil no Congresso Nacional, abandonou os planos iniciais de uma reforma ampla e ambiciosa do IR —tarefa que o petista não levou adiante nem quando desfrutava de grande popularidade e apoio partidário em seus dois primeiros mandatos. Em vez disso, optou por um atalho, ainda assim arriscado.
Em busca de índices maiores de aprovação, Lula seguiu uma promessa eleitoral reciclada da campanha do adversário Jair Bolsonaro (PL) e propôs a isenção do imposto para rendimentos até R$ 5.000 por mês. Para evitar a perda de receita, previu-se uma cobrança mínima sobre ganhos a partir de R$ 50 mil mensais.
O projeto tem méritos ao mirar a progressividade dos impostos, onerando os mais ricos e beneficiando estratos que, embora não possam ser considerados pobres, não estão no topo da pirâmide social. A administração petista, no entanto, não faz segredo de que essa é também, ou sobretudo, uma aposta político-eleitoral.
Não surpreende, portanto, que haja má vontade da oposição e de boa parte do centrão com o texto —por mais difícil que seja rejeitar uma medida de claro apelo popular. Como era de esperar, a tramitação corre o risco de ser contaminada por demagogia e irresponsabilidade orçamentária.
Basta o exemplo do líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), que candidamente defende estender a isenção do IR para rendimentos até R$ 10 mil e acabar com a tributação compensatória sobre os mais ricos. A primeira parte do plano visa rebater a acusação de ser contra a benesse do projeto; a segunda atende a interesses de alcance suprapartidário.
Desnecessário dizer que alterações no texto nesse sentido seriam nefastas para o Tesouro e, em consequência, para a economia do país. Calcula-se que o alívio tributário vá custar em torno de R$ 30 bilhões no próximo ano. O que não for coberto pela receita adicional será somado ao déficit federal, projetado em R$ 23 bilhões na proposta de Orçamento divulgada na sexta (29).
A esta altura, a politização do tema parece irreversível. Resta esperar que o impacto fiscal não seja desastroso —e que se possa fazer uma reforma mais criteriosa do IR no próximo governo.