Da vitória de Nunes à esquerda em dificuldades, segundo turno confirma tendência de reeleições e predomínio do Centrão
Por Caio Sartori — Rio de Janeiro / O GLOBO
Confirmada ontem a recondução dos seis prefeitos de capitais que ainda estavam no páreo, as eleições municipais de 2024 chegaram ao fim com um índice de 80% de reeleição nas principais cidades brasileiras. O patamar é o mesmo do registrado nos mais de 5 mil municípios no primeiro turno, quando 81% dos prefeitos conseguiram um segundo mandato. Entre os 16 vitoriosos nas capitais nos dois turnos, destaca-se o de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que conseguiu um triunfo confortável na maior cidade do país.
Foi, portanto, uma campanha de continuidade, marcada pela força das máquinas, além da primeira disputa municipal influenciada pelo superlativo volume de emendas parlamentares que saem de Brasília e irrigam prefeituras país afora. Nas capitais, trata-se do segundo maior percentual de reeleição na História, atrás apenas dos 95% de 2008. Quando se consideram todos os municípios, nunca o número foi tão alto.
Nunes é quem melhor simboliza o resultado geral no país. Ex-vice que assumiu a prefeitura com a morte de Bruno Covas (PSDB), vítima de câncer, o político até então conhecido apenas nos bastidores, vereador de dois mandatos, conseguiu superar com folga um Guilherme Boulos (PSOL) de recall alto e apoiado pelo presidente Lula — depois de ter deixado para trás, no primeiro turno, o fenômeno Pablo Marçal (PRTB).
O placar foi acachapante: 59,35% a 40,65%, quase idêntico ao de Covas contra o mesmo Boulos há quatro anos — o que indica um teto para o psolista, outra vez assolado pela rejeição. O mapa da votação também ilustra o massacre. O candidato do PSOL ganhou em apenas três zonas eleitorais da cidade, com derrotas até em áreas onde foi bem no primeiro turno.
No discurso de vitória, Nunes disse que derrotou os “extremismos”. E, no momento da fala em que mais apontou para frente, classificou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como “o futuro” e “líder maior”. Quase não mencionou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que teve postura errática na eleição paulistana, com idas e vindas no apoio ao prefeito e nenhum protagonismo no desfecho do jogo.
— O equilíbrio venceu todos os extremismos. São Paulo falou e mandou recado para todo o país. O que o povo precisa é de emprego, segurança, melhorias e oportunidades.
Quanto a Tarcísio, a escolha das palavras para se referir ao aliado não foi em vão. O governador é cotado para disputar a Presidência em 2026. Ao lado do prefeito e de Tarcísio no palanque da vitória, no entanto, estava o presidente do PSD, Gilberto Kassab, dirigente de conhecida influência sobre o chefe do Palácio dos Bandeirantes e um dos que defendem que ele dispute a reeleição em São Paulo, deixando para 2030 a ambição nacional. De qualquer forma, Tarcísio se consolidou como o grande quadro da direita depois de Bolsonaro.
Máquinas
Outro caso exemplar da tendência à continuidade é Fuad Noman (PSD), de Belo Horizonte, também vice-prefeito até pouco tempo — assumiu a cadeira quando Alexandre Kalil decidiu disputar o governo do estado, em 2022. Aos 77 anos e com um câncer descoberto a poucos dias do início da campanha, Fuad começou em baixa, mas cresceu pouco a pouco com base na estratégia de se apresentar ao eleitorado e expor realizações da prefeitura. Assim, superou no primeiro turno o outsider Mauro Tramonte (Republicanos) e, depois, o bolsonarista Bruno Engler (PL). Até então, a única eleição disputada pelo prefeito havia sido a de 2020, como vice e quase sem aparecer.
Na foto da vitória, ontem, estavam figuras como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), que trajava um boné com os dizeres “Sou Lula”, e alguns petistas influentes. Em Minas, 2026 já começou, e setores do PT defendem uma aproximação maior com o partido de Fuad para fortalecer o palanque de Lula.
As outras quatro reeleições no segundo turno se deram em Porto Alegre, com Sebastião Melo (MDB); Manaus, com David Almeida (Avante); João Pessoa, com Cícero Lucena (PP); e Campo Grande, com Adriane Lopes (PP).
O feito de Melo, vitorioso com 61,53% dos votos válidos, também é sintomático da força dos incumbentes, dada a catástrofe climática pela qual a cidade gaúcha passou no primeiro semestre. Pesou também a rejeição à petista Maria do Rosário, que falou mais alto do que qualquer crítica dos eleitores ao trabalho da prefeitura no âmbito das enchentes.
Os consagrados ontem nas urnas se juntam a um elenco já robusto que conseguiu novos mandatos sem precisar de segundo turno — todos mais ao centro, mas cada um com suas inclinações para um lado ou outro da polarização nacional. Lula, por exemplo, tem em Eduardo Paes (PSD), no Rio, e João Campos (PSB), no Recife, bons aliados entre os vencedores do dia 6 de outubro. Mas há também, nas principais cidades, aqueles que evitam se posicionar quando o jogo transcende as fronteiras locais, como Bruno Reis (União), de Salvador.
Esquerda e direita
O PT conseguiu um gol de honra ao conquistar Fortaleza, maior cidade do Nordeste. Será a única capital nas mãos de um petista a partir do ano que vem — um alívio se comparado a 2020, quando a sigla ficou sem nenhuma grande cidade pela primeira vez.
Por lá, a disputa foi a mais acirrada entre as de ontem, com menos de um ponto de diferença entre o eleito Evandro Leitão e André Fernandes (PL). Com Fortaleza, o PT tem agora a capital cearense e o governo do estado, chefiado por Elmano de Freitas.
A legenda de Lula venceu em quatro das 13 cidades em que disputou o segundo turno. Das capitais, perdeu Porto Alegre, Natal e Cuiabá. Na leitura geral das eleições, a evolução do partido em comparação com 2020 foi tímida, e o resultado impõe uma série de reflexões — da importância de alianças com o centro para 2026 à necessidade de construir novos discursos.
Ao fim do segundo turno, no entanto, tampouco o bolsonarismo se saiu vitorioso. Teve mais derrotas do que vitórias, e se deu mal onde tentou resolver o jogo por conta própria, sem composições com outros setores. O PL venceu ontem nas pouco populosas Aracaju e Cuiabá; foi derrotado em Goiânia, Fortaleza, Manaus, João Pessoa, Belém e Palmas, algumas delas com intenso envolvimento de Bolsonaro.
O mau desempenho da esquerda nos grandes centros, somado à força de uma direita não necessariamente bolsonarista, faz com que uma das máximas propagadas nas últimas semanas ecoe cada vez mais: o eleitorado de Lula em 2022 é maior do que o da esquerda, enquanto a direita se mostra maior que Bolsonaro.